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A Gazeta, Vitória, ES 22/07/2007
O que há em comum entre a pintura feita pelos homens das cavernas há mais de 15 mil anos com as batatas chips, as tatuagens, o canal de televisão MTV, a música digital e o site YouTube? Manifestações aparentemente tão distintas estão agora reunidas sob um mesmo conceito, a snack culture, ou "cultura em pedaços".
O novo termo, difundido pela revista norte-americana "Wired" em março deste ano, abrange produtos culturais que são assimilados cada vez mais em pequenas porções pelo público, da comida instantânea ao comportamento pessoal, passando, principalmente, pelo modo como o usuário consome arte e cultura por meio da Internet.
Como exemplos, há a publicação de pequenos vídeos, os programas de rádio de curta duração, a proliferação de textos curtos em blogs, a enxurrada de site de fotos e a publicação de notícias cada vez mais fragmentadas pelos portais de comunicação.
Tendência. O produtor de eventos Rike Soares sabe bem o que significa o conceito. Idealizador da Antimofo – produtora de festas da Capital –, ele começou a baixar músicas em arquivo digital MP3 há quase 10 anos. O costume de comprar discos e ouvir por completo tudo o que uma banda quer mostrar deu lugar a audições de canções isoladas. "Isso de ouvir o álbum inteiro já não existe mais. A tendência é ouvir picado mesmo. Consumir em pedaços traz possibilidades de ter mais informação", comenta.
Para o doutor em Comunicação e Cultura e professor da Ufes, Fábio Malini, a cultura em pedaços só conseguiu se difundir devido à Internet, espaço por excelência dos recortes da comunicação e da cultura. "Se você falar que o mundo vai acabar pelo rádio, as pessoas se mobilizam em torno disso. Se o anúncio for pela TV, todo mundo vai querer ver. Na Internet, o mundo que vai acabar é produzido. As pessoas vão fazer um blog, uma música e disponibilizá-los. A Internet representa a desmassificação da cultura", afirma.
Um dos mais recentes exemplos de snack culture é o Projeto The 1 Second Film (em inglês, O Filme de um Segundo), que produz, com o apoio de milhares de colaboradores, um filme com um segundo de duração e 90 minutos de créditos.
"No campo da comunicação de massa, existem ainda duas barreiras importantes que essas iniciativas comunitárias acabam quebrando: o livre acesso à informação e à participação e, sobretudo, a criação de uma comunicação alternativa", analisa o pós-doutor em Cinema e editor do site Intermidias (www.intermidias.com) Hudson Moura.
A professora da Universidade do Algarve (Portugal) Gabriela Borges acredita que a snack culture pode ser um modismo que reflete o comportamento social das últimas décadas. "Esse fenômeno está relacionado com a própria lógica da sociedade globalizada, porque os produtos culturais são feitos para serem rapidamente consumidos, a fim de que novos sejam introduzidos no mercado. Em uma sociedade que enaltece a superficialidade, a snack culture tem seu espaço garantido", sentencia.
Fenômeno começa nos anos 80
A especialista em comunicação pela Internet Pollyana Ferrari acredita que a Web, "como meio orgânico que é, propicia a proliferação de fenômenos como a snack culture". Autora do livro "Hipertexto, Hipermídia" (Editora Contexto), ela afirma que "o usuário atual se realiza por meio de pequenos recortes de sensações que memorizou, interpretando-as posteriormente por meio de flashbacks da memória."
Ainda segundo a especialista, essa mudança não ocorre apenas na Internet. "É um fenômeno social. A mania atual de colecionar beijos em festas é outro exemplo", diz.
Para Pollyana, só é possível entender essas transformações se a análise voltar os olhos para a década de 1980. "Nessa época, houve uma intensificação de misturas entre linguagens e meios, resultando em um ‘caldo’ cultural híbrido recheado de videocassetes, aparelhos do tipo ‘walkman’ – tudo devidamente embalado pela notável indústria de videoclipes e videogames. O surgimento do controle remoto também foi um marco nessa mudança de comportamento".
Para a especialista, o único ponto negativo da proliferação da snack culture é a falta de profundidade em relação aos assuntos abordados. "Mas o lado positivo é o faça-você-mesmo, a ‘remixagem’ diária da sociedade. Estamos vivenciando o fim da autoria. Não existe, na música, na literatura e nas artes em geral, uma grande descoberta, mas sim vários autores juntos produzindo uma releitura de algo", conclui.
Leia as outras matérias e entrevistas sobre Snack Culture aqui
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A Gazeta, Vitória, ES 22/07/2007
O que há em comum entre a pintura feita pelos homens das cavernas há mais de 15 mil anos com as batatas chips, as tatuagens, o canal de televisão MTV, a música digital e o site YouTube? Manifestações aparentemente tão distintas estão agora reunidas sob um mesmo conceito, a snack culture, ou "cultura em pedaços".
O novo termo, difundido pela revista norte-americana "Wired" em março deste ano, abrange produtos culturais que são assimilados cada vez mais em pequenas porções pelo público, da comida instantânea ao comportamento pessoal, passando, principalmente, pelo modo como o usuário consome arte e cultura por meio da Internet.
Como exemplos, há a publicação de pequenos vídeos, os programas de rádio de curta duração, a proliferação de textos curtos em blogs, a enxurrada de site de fotos e a publicação de notícias cada vez mais fragmentadas pelos portais de comunicação.
Tendência. O produtor de eventos Rike Soares sabe bem o que significa o conceito. Idealizador da Antimofo – produtora de festas da Capital –, ele começou a baixar músicas em arquivo digital MP3 há quase 10 anos. O costume de comprar discos e ouvir por completo tudo o que uma banda quer mostrar deu lugar a audições de canções isoladas. "Isso de ouvir o álbum inteiro já não existe mais. A tendência é ouvir picado mesmo. Consumir em pedaços traz possibilidades de ter mais informação", comenta.
Para o doutor em Comunicação e Cultura e professor da Ufes, Fábio Malini, a cultura em pedaços só conseguiu se difundir devido à Internet, espaço por excelência dos recortes da comunicação e da cultura. "Se você falar que o mundo vai acabar pelo rádio, as pessoas se mobilizam em torno disso. Se o anúncio for pela TV, todo mundo vai querer ver. Na Internet, o mundo que vai acabar é produzido. As pessoas vão fazer um blog, uma música e disponibilizá-los. A Internet representa a desmassificação da cultura", afirma.
Um dos mais recentes exemplos de snack culture é o Projeto The 1 Second Film (em inglês, O Filme de um Segundo), que produz, com o apoio de milhares de colaboradores, um filme com um segundo de duração e 90 minutos de créditos.
"No campo da comunicação de massa, existem ainda duas barreiras importantes que essas iniciativas comunitárias acabam quebrando: o livre acesso à informação e à participação e, sobretudo, a criação de uma comunicação alternativa", analisa o pós-doutor em Cinema e editor do site Intermidias (www.intermidias.com) Hudson Moura.
A professora da Universidade do Algarve (Portugal) Gabriela Borges acredita que a snack culture pode ser um modismo que reflete o comportamento social das últimas décadas. "Esse fenômeno está relacionado com a própria lógica da sociedade globalizada, porque os produtos culturais são feitos para serem rapidamente consumidos, a fim de que novos sejam introduzidos no mercado. Em uma sociedade que enaltece a superficialidade, a snack culture tem seu espaço garantido", sentencia.
Fenômeno começa nos anos 80
A especialista em comunicação pela Internet Pollyana Ferrari acredita que a Web, "como meio orgânico que é, propicia a proliferação de fenômenos como a snack culture". Autora do livro "Hipertexto, Hipermídia" (Editora Contexto), ela afirma que "o usuário atual se realiza por meio de pequenos recortes de sensações que memorizou, interpretando-as posteriormente por meio de flashbacks da memória."
Ainda segundo a especialista, essa mudança não ocorre apenas na Internet. "É um fenômeno social. A mania atual de colecionar beijos em festas é outro exemplo", diz.
Para Pollyana, só é possível entender essas transformações se a análise voltar os olhos para a década de 1980. "Nessa época, houve uma intensificação de misturas entre linguagens e meios, resultando em um ‘caldo’ cultural híbrido recheado de videocassetes, aparelhos do tipo ‘walkman’ – tudo devidamente embalado pela notável indústria de videoclipes e videogames. O surgimento do controle remoto também foi um marco nessa mudança de comportamento".
Para a especialista, o único ponto negativo da proliferação da snack culture é a falta de profundidade em relação aos assuntos abordados. "Mas o lado positivo é o faça-você-mesmo, a ‘remixagem’ diária da sociedade. Estamos vivenciando o fim da autoria. Não existe, na música, na literatura e nas artes em geral, uma grande descoberta, mas sim vários autores juntos produzindo uma releitura de algo", conclui.
Leia as outras matérias e entrevistas sobre Snack Culture aqui
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