29 de agosto de 2007

Do armário para as telas

O cinema Queer vem ganhando espaço e se inserindo cada vez mais no debate político e social. Esse cinema sobre o mundo gay, lésbico e transexual, vem articulando seu discurso próprio sobre a descoberta e a afirmação sexual à temas atuais como o ativismo social, o debate político, o exílio e a imigração ilegal.

The Bubble (Ha Buah, 2006)(A bolha, tradução literal) do israelense Eytan Fox é uma história de amor entre um palestino e um israelense, à la Romeo e Julieta, onde incorpora o debate político entre as duas culturas no drama existencial dos protagonistas. Enquanto o personagem israelense se questiona sobre o seu papel como soldado de fronteira, o palestino tenta revelar sua opção sexual junto à sua família. O que torna o filme excepcionalmente bem realizado é a tensão entre a afirmação sexual e política dos personagens. O drama oscila constantemente entre os dois terrenos tentando se equilibrar num fio perigoso e extremamente instável. A passagem da fronteira entre Israel e o território palestino aumenta a tensão da intriga do filme e coloca tudo em suspensão, a possibilidade de uma relação estável entre dois homens de culturas opostas. O final do filme é tanto credível quanto absurdo, e coloca os espectadores numa posição difícil. A insensatez da guerra se torna a insensatez da discriminação contra os homossexuais.

Esses questionamentos sobre a aceitação de casais homossexuais e os conflitos sociais estão fortemente presentes no filme Riparo – Anis tra di noi (Shelter me ou Abrigo, Anis entre nós, tradução literal, 2006) do italiano Marco S. Puccioni. A multitalentosa e poliglota atriz e diretora portuguesa Maria de Medeiros, interpreta uma executiva italiana, Ana, que acaba, à contra-gosto, traficando um clandestino em seu carro na volta de uma viagem de férias na Tunísia. Anis, um adolescente marroquino, entra assim como mais um ponto de diferença na vida do casal lésbico. Enquanto, Ana resolve ajudar o rapaz, Mara, que trabalha como operária na fábrica de sapatos da família da amante, não concorda em abrigá-lo em sua casa. E a carga dramática do filme não pára por aí. As duas tem ainda que lidar com a rejeição da mãe de uma e o pai hospitalizado e esquizofrênico da outra.

Anis surge assim como um ponto de discórdia entre elas que acaba se tornando uma válvula de escape para uma relação por demais complexa. O personagem de Anis vai revelar ainda uma difícil situação dos imigrantes ilegais na Itália. Ele é o bom ingênuo de uma sociedade tradicional, que coloca questões simples e arcaicas mas que se revelam mais complexo do que se imagina: “Uma mulher precisar casar e ter um marido,” argumenta o rapaz dentro da sua obviedade das coisas. Incapaz de respondê-lo, Ana mostra a mesma inabilidade em lidar com o altruísmo e a compaixão “capitalista”. Até onde uma relação à dois existe por amor ou por conveniência? Até onde vai nossa aceitação aos diferentes?

Os curtas Borderless me (Não me fronteire, tradução literal, 2007, 12 min) (foto abaixo) de Setareh Mohammadi e Checkpoint (Ponto de revista, tradução literal, 2007, 14 min) de Alex Mah enfatizam os dramas da imigração e da discriminação sexual como temas principais dos documentários. Enquanto o primeiro coloca no centro do quadro o depoimento de uma transexual iraniana sobre os conflitos da aceitação social e sexual, o segundo entrelaça os depoimentos de sete transexuais imigrantes, que preferem não mostrarem seus rostos. Eles relatam a dificuldade em carregar uma carteira de identidade que pós-cirurgia de mudança de sexo não mais os corresponde. Como não se identificar ou ter piedade pelas histórias sofridas de seus entrevistados? Como construir imageticamente depoimentos tão dramáticos? Ambos filmes foram realizados dentro do projeto Firstout Vídeo do Festival do Cinema Queer de Vancouver, o qual dá oportunidade e treinamento a jovens gays para realizarem seus primeiros audiovisuais dentro da problemática do festival. O resultado é impressionante. Os vídeos saem do lugar comum e mostram temas maduros e complexos à serem realizados. Mesmo que Mohammadi opte pela maneira mais simples do documentário, ou seja, um entrevistado narrando a sua história para a câmera, a complexidade vem na narração e no grau de confiança entre diretor e personagem. Um depoimento forte e lúcido não somente sobre a sua condição pessoal mas principalmente sobre a sociedade canadense. As imagens de Quvi é constantemente remetida à imagens translúcidas e plácidas de lagos e de paisagens naturais, um contraste tão forte quanto a obstinação e certeza sobre a sua opção, para ela “natural”, da mudança de sexo. Outro desafio ainda mais desencorajador para o jovem documentarista Alex Mah estaria desde o ponto de partida de seu filme. Como ilustrar um documentário baseado em depoimentos pessoais, no qual os depoentes se opõem em serem vistos? A montagem são de vozes, de depoimentos que ecoam nas imagens da cidade na qual essas “novas” mulheres de vozes masculinas habitam. E, surpreendentemente, elas habitam também o filme. E, suas narrativas soam compreensíveis e encadeadas. O espectador não se perde entre um depoimento e outro que a medida que o filme avança se tornam cada vez menos abstratos. Seus rostos, assim, se tornam “irrelevantes” para entendermos a complexidade que vivem essas pessoas em habitar novos sexos e construírem novas “identidades”.

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