5 de outubro de 2006

"The Queen" de Stephen Frears: Retrato Constrangedor de uma Rainha Vulnerável

O que impressiona no filme A Rainha de Stephen Frears é a sobriedade e a finesse com que trata os personagens – o trabalho da atriz Helen Mirren (foto) como a Rainha Elizabeth II é nada menos que impressionante – e, a riqueza de detalhes sobre os “bastidores da notícia” – os acontecimentos palacianos que sucedem a morte da Princesa Diana. O filme é minucioso ao apresentar um portrait incrível da família real britânica, às vezes, constrangedor e irônico, com interpretações memoráveis e um roteiro preciso.

O filme mostra como a morte da Princesa se tornou um problema de estado e de luta de poder entre o recém eleito primeiro-ministro Tony Blair e a Rainha da Inglaterra. Enquanto ela tenta tratar do assunto como algo íntimo e reservado à família real seguindo o protocolo oficial, Blair pressente a grande proporção midiática do evento. Ao subestimar o poder da mídia e do mito Diana perante o grande público, a rainha se mostra vulnerável e rancorosa, ao ver cada vez mais sua imagem ser obscurecida por uma ex-princesa. O filme mostra, a criação sábia e oportunista de Blair ao nomear Diana, pela primeira vez, como a Princesa do Povo.

Mesclando imagens de arquivo com imagens ficcionais dos atores, o filme apresenta uma fotografia eficiente nas passagens de imagens num trabalho rigoroso do fotógrafo brasileiro Affonso Beato. O plano de abertura é maravilhoso e dá bem o tom do filme: a rainha está sentada posando com seu manto real para o pintor do palácio, após algumas réplicas de um diálogo afinado e irônico sobre a realeza, em plano fechado enquadrando a barra do manto ao chão, a câmera sobe lentamente mostrando os detalhes da veste até enquadrar o rosto de Elizabeth II, que meio de perfil move em direção à câmera, fixando o olhar para o pintor-público. Ao lado de seu rosto surge o título do filme: A Rainha. Que ninguém tenha dúvidas: este é um filme britânico com humor britânico e sobre britânicos.

Outra cena, descreve bem o respeito que os britânicos tem pela monarquia e a realeza, é quando a rainha sentada sozinha, chora pela primeira (única) vez. A câmera não somente é discreta como se ausenta da cena, não mostrando o rosto de Sua Majestade.

Este é o primeiro filme importante que trata sobre a morte controversa da Princesa Diana. O filme escolheu o caminho mais simples e eficaz, deixar as imagens da princesa e dos eventos se expressarem por si mesmos. Vemos desfilar na tela a imagem da princesa sendo duplicada e digerida por uma mídia ávida e sem piedade. E, a julgar pelas imagens da época e a comoção que elas trazem para a tela hoje, nenhuma ficção parece ser capaz de suprir tal evento ou dar tal veracidade. Nada melhor que imagens documentais para testemunhar todo o circo em torno da supra mediatizada família real. Ao mostrar a mídia, através de suas próprias imagens, no filme, fica claro como a mídia cai sem cesse em sua armadilha: se torna imagem de si própria, num papel patético e redundante. Ela é notícia de si mesma.

O timing do filme é igualmente impressionante, ao retratar a tomada de posse de Tony Blair justamente agora, no momento em que o mesmo se despede do cargo, não poderia ser mais apropriado. Aliás, o filme fecha com um diálogo entre Blair e a Rainha, justamente fazendo alusão a este momento (o reverso da medalha: o que hoje se clama como herói do povo, amanhã poderá ser clamado vilão). Se a rainha subestima no início a proporção de seus atos, no final ela parece tirar bem a lição dos acontecimentos. Ela admite que este poderá ser um dos episódios que irá marcar o seu reinado, que este ano completa 50 anos. Mas, o retrato que o filme apresenta da Rainha da Inglaterra – diferente do portrait oficial do pintor – independente de sua autenticidade ou mesmo de sua ironia, é impiedoso. Ele a flagra num momento de puro constrangimento e vulnerabilidade, mesmo que este tenha sido curto e passageiro. Mas, a julgar pela qualidade do filme este momento perdurará por muito tempo no imaginário coletivo.

Helen Mirren, no papel da Rainha, enriquece cada gesto, olhar ou caminhar do personagem num trabalho minucioso e extraordinário de composição. Seu trabalho como Elizabeth II já lhe valeu o prêmio de melhor atriz na Bienal de Veneza. Aliás, ela se especializou em interpretar nobres e este ano vem ganhando todos os prêmios também das televisões britânicas e americanas por um outro papel como rainha da Inglaterra, desta vez, pela minissérie Elizabeth I.

A Rainha (The Queen, UK, 2006) ganhou ainda o prêmio Fipresci de melhor filme na opinião da imprensa internacional e melhor roteiro para Peter Morgan na Bienal de Veneza. O filme encerra o 25. Festival Internacional de Cinema de Vancouver no dia 13 de outubro. (Hudson Moura)

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