23 de abril de 2007

HERÓI, VILÃO E MEDO uma análise de produções cinematográficas hollywoodianas pós 11 de setembro de 2001




Larissa Queiroz Bello
leurysmsn (arroba) hotmail.com





Artigo inédito, publicado no Blog Intermídias no dia 23 de abril de 2007. Todos os direitos reservados.
{Referência para citação deste texto: Bello, Larissa Queiroz. "Herói, Vilão e Medo. Uma análise de produções cinematográficas hollywoodianas pós 11 de setembro de 2001.". In: Blog Intermídias, 23/04/2007, [http://intermidias.blogspot.com/2007/04/heri-vilo-e-medo-uma-anlise-de-produes.html] data de acesso: }.

Índice

Introdução
1. Os Parâmetros para a Análise
2. Remakes Japoneses
3. De Que Lado Você Está?
4. Quem Salva Quem?
5. Aqueles-Dos-Quais-Não-Falamos
6. Conclusão
7. Referências Bibliográficas e Filmográficas


Introdução

O atentado terrorista ocorrido em 11 de setembro de 2001, nos EUA chocou o mundo não só pela tragédia em si, mas também pelo fato de ter acontecido dentro de um país considerado invulnerável. Quando os aviões atingiram as torres, não foram somente elas que caíram, mas sim todo o ideal do modo de vida americano que se vendia para o resto do mundo.

Dois edifícios mais importantes de Nova York foram destruídos e foi uma certa arquitetura que foi atingida ao mesmo tempo que todo um sistema de valor ocidental e uma ordem mundial. (Baudrillard, 2004, p. 32)

Já o cineasta canadense Denys Arcand considerou o 11 de setembro de 2001 como a data do início do que ele chama de as “Invasões Bárbaras”. Não, que as outras atrocidades que aconteceram no mundo, muitas vezes provocadas pelos próprios EUA, fossem menos bárbaras, mas essas foram bárbaras no sentido de que aconteceram dentro do território americano. A idéia de barbárie está mais ligada a ousadia do que a tragédia em si. O lingüista americano Noam Chomsky, ao falar sobre essa questão ressalta que as atrocidades sempre aconteceram pelo mundo, porém nunca dentro do território daqueles que detinham o poder sobre outras nações.

Se você examinar centenas de anos da história, verá que os países imperialistas têm saído basicamente imunes. Há muitas atrocidades, mas elas acontecem em algum outro lugar. (...) E tem sido assim há centenas de anos. Essa é a primeira mudança. (Chomsky, 2005, p. 16)

E o cinema americano contribuiu para construir e difundir símbolos do poder e da soberania dos EUA. Basta assistir filmes como “Força Aérea Um” (Air Force One, 1997), “Duro de Matar - A Vingança” (Die Hard With Vegeance, 1999), entre outros no estilo policial-ação. Em todos eles é possível perceber como os filmes nos familiarizaram com os órgãos e as instituições americanas, tanto que todos sabemos o que representam siglas como CIA, FBI, NASA ou nomes como Pentágono e até mesmo, a própria Casa Branca. Mas, a questão é: por que será que Hollywood sempre quis representar em seus filmes o funcionamento, a força e a eficiência de tais órgãos e instituições? Qual o motivo de tanta propaganda?

Talvez porque a intenção fosse realmente “vender” a idéia tanto para o resto do mundo, quanto para os próprios americanos, de um país com recursos suficientes para garantir segurança, qualidade de vida e inteligência. Ou ainda, porque tais instituições não estariam respondendo às suas funções como deveriam. Enfim, as possíveis razões nos levam a hipóteses diversas, mas não se pode negar que tal propaganda existe.

Em um filme, (...) a sociedade não é propriamente mostrada, é encenada. Em outras palavras, o filme opera escolhas, organiza elementos entre si, decupa no real e no imaginário, constrói um mundo possível que mantém relações complexas com o mundo real: pode ser em parte seu reflexo, mas também pode ser sua recusa (...). Reflexo ou recusa, o filme constitui um ponto de vista sobre este ou aquele aspecto da sociedade em espetáculo, em drama (...). (Vanoye e Goliot-L'été, 1994, p. 56)

A questão é: será que teria acontecido alguma mudança na produção de filmes hollywoodianos após o 11 de setembro? Qual a posição de Hollywood perante tal tragédia? Afinal, a realidade quase ficcional dos acontecimentos foi de encontro à “propaganda” dos órgãos e das instituições tão difundidas em seus filmes, já que ninguém foi capaz de prever ou evitar que o atentado acontecesse.


1. Os Parâmetros para a Análise

Para a minha análise optei pela listagem do site IMDB (Internet Movie Database) dos filmes de maiores bilheterias mundiais, exibidos entre os anos de 2002 a 2005, cujas produções foram exclusivamente americanas. Dentro dessa lista considerei os filmes que levantam questões relacionadas ao sentimento de medo e pânico, e ainda, a construção dos personagens dentro dos conceitos de arquétipos.

Os arquétipos são aqueles personagens que aparecem repetidamente ao longo da história, seja na mitologia, na religião ou nos contos de fada. Ou seja, eles são mencionados desde os tempos mais primordiais até os dias de hoje. A literatura e o cinema fazem uso de tal ferramenta para designar melhor a função de seus personagens dentro de suas narrativas. Segundo o site Cinemanet, os arquétipos mais comuns nos mitos são: HERÓI, MENTOR, GUARDIÃO DO LIMIAR, ARAUTO, CAMALEÃO, SOMBRA, PÍCARO. Para minha análise o foco recairá sobre os arquétipos de Herói e Sombra (ou Vilão).

Já a questão do sentimento de medo que é trabalhado, principalmente nos filmes de suspense e terror, está ligada ao âmbito das emoções humanas. O cientista e estudioso comportamental Jeffrey Gray cita que uma das classificações dos estímulos de medo, está o medo da novidade, que por sua vez está intimamente ligado ao medo daquilo que se parece estranho ou não se conhece.


2. Remakes Japoneses


Em 2002 é lançado “O Chamado” (The Ring), remake de um filme de terror japonês do diretor Hideo Nakata. A direção da refilmagem americana ficou a cargo do diretor Gore Verbinski. O filme conta a história de uma menina que é morta após assistir uma fita de vídeo. E todos aqueles que a assistem acabam morrendo de uma forma inexplicável. A questão central do filme é que quem mata as pessoas, na verdade é um espírito de uma criança que morreu há muitos anos atrás. Após “O Chamado”, que teve uma bilheteria mundial de mais de 230 milhões de dólares, houve uma verdadeira “onda” de remakes japoneses: “O Grito” (The Grudge, 2004), “O Chamado 2” (The Ring 2, 2005) e “Água Negra” (Dark Water, 2005). Apesar desses outros não estarem na lista de maiores bilheterias mundiais, todos apresentam o mesmo foco, ou seja, um espírito de uma criança que aterroriza a vida das pessoas. O vilão se apresenta como um ser inatingível e inalcançável. A única forma de “destruí-lo” é investigando o motivo pelo qual o faz perseguir as pessoas; é preciso pesquisar o passado daquele espírito para descobrir o que o levou a aterrorizar o mundo dos vivos.

Filmes como “O Sexto Sentido” (The Sixth Sense, 1999) já haviam trabalhado com esse mesmo tema, em que se acredita que os espíritos de pessoas mortas voltam ao mundo dos vivos para realizarem algum tipo de acerto de contas. Porém, a “onda” dessas refilmagens japonesas trazem um elemento relevante para um momento pós-atentado. O arquétipo da Sombra está representado como algo que não se pode tocar e nem exorcizar, porém ele consegue atingir e afetar a vida do Herói. E todos os espíritos que aparecem nos filmes são de crianças, ou seja, aquela figura que é representada como a inocência e a bondade pura, ganha uma roupagem de malévola e vingativa. Tal recurso também já havia sido muito usado em filmes de terror, tais como “A Profecia” (The Omen, 1976) e “Cidade dos Amaldiçoados” (Village of the Damned, 1995), que também é uma refilmagem de “A Aldeia dos Amaldiçoados” (Village of the Damned, 1960). Em todos esses filmes, as crianças são representadas como figuras malignas, porém nos remakes japoneses além de serem malignas, essas crianças não podem ser tocadas, pois elas estão em uma outra dimensão. É um mal que só conseguirá se desvencilhar do mundo terreno após se tornar conhecido e compreendido por aqueles com os quais ele tenta se comunicar. Ou seja, a referência que se faz com o 11 de setembro é de que o inimigo, assim como aqueles que derrubaram as Torres do WTC, pertencem também a uma outra dimensão, já que não eram visíveis do ponto de vista dos americanos. Eles eram invisíveis até que se fizeram notar com o atentado. Jean Baudrillard fala sobre essa questão do inimigo invisível em uma entrevista cedida no Caderno Especial do jornal O Globo em 23 de setembro de 2001.

Nós gostamos de encarar inimigos visíveis e nomináveis. Mas justamente a originalidade disso tudo é que o inimigo é invisível, não tem nome, e que o confronto é por isso mesmo assimétrico, não é uma guerra entre dois adversários. Eles não estão no mesmo plano e por isso não há uma solução. (Baudrillard, 2001, p. 8A)



3. De Que Lado Você Está?

Em 2003 é lançado “O Último Samurai” (The Last Samurai), estrelado por Tom Cruise e dirigido por Edward Zwick. O filme, que obteve uma bilheteria mundial de 435 milhões de dólares, se passa no ano de 1876. Tom Cruise é Nathan Algren, um capitão do exército americano que é enviado ao Japão para treinar as tropas de um imperador com o intuito de eliminar os samurais que ainda restam na região. Ao chegar no Japão, o capitão é recebido por Graham, um inglês que presta serviços ao imperador. Ele diz ao capitão que o motivo da briga com os samurais se deve ao fato de que eles não aceitam a ocidentalização que o imperador pretende fazer no Japão. O capitão, então se encontra com o imperador, que lhe diz que espera atingir a mesma harmonia nacional que há nos EUA. Após alguns poucos meses de treinamento, o general decide travar uma batalha com os samurais, porém o capitão Algren diz que os soldados ainda não estão prontos. O general insiste e a batalha é vencida pelos samurais, que acabam também capturando o capitão. Nesse momento o Herói passa a observar os costumes e o cotidiano da cultura samurai e acaba valorizando o estilo de vida deles. A partir daí, o capitão decide mudar de lado e lutar contra o exército que deveria ser por ele treinado.

O arquétipo de herói do filme está muito bem delineado e o personagem interpretado por Tom Cruise passa por todos os estágios típicos do herói, tanto que até a mudança de lado faz parte de um desses estágios, porém tal artifício foi pouco usado nos filmes hollywoodianos. Antes do 11 de setembro de 2001, geralmente a figura do herói não costumava mudar de lado. O que acontecia era de o herói descobrir que algum órgão ou instituição governamental estava envolvido com o lado da Sombra (vilão), ou seja, aqueles que deveriam ser confiáveis, se revelavam como não sendo. Filmes como “Perigo Real e Imediato” (Clear and Present Danger, 1994) em que o agente federal Jack Ryan (Harrison Ford) denuncia o próprio presidente dos EUA, ou ainda, “Duro de Matar 2” (Die Hard 2, 1990) em que o policial John McClane (Bruce Willis) descobre que uma facção do exército estava envolvida com o grupo de terroristas, são exemplos de como Hollywood sugeria uma possível desconfiança do lado daqueles em que o Herói deveria se sentir seguro, porém não a ponto de fazê-lo mudar de lado. A inversão de rumo do herói é uma das características destacadas na minha análise de alguns blockbusters pós 11 de setembro. Parto da observação de que após o atentado foram produzidos filmes que passaram a questionar a posição do herói e do vilão dentro da narrativa cinematográfica. Depois do atentado, alguns filmes re-trabalharam essa questão. Agora, além do Herói descobrir corrupção, violência desnecessária ou qualquer outra “anomalia” do lado daqueles que o representam, ele resolve não mais denunciar, mas sim mudar de lado.

Outro exemplo é o terceiro filme da série “Guerra nas Estrelas: Episódio 3 - A Vingança dos Sith” (Star Wars: Episode 3 - Revenge of the Sith, 2005), de George Lucas, que teve uma bilheteria mundial de mais de 800 milhões de dólares, e que também ilustra essa inversão de lado do arquétipo do Herói. O personagem de Anakin Skywalker se rende ao lado negro da Força, e assim passa de Herói a Vilão. Na verdade, tanto em “Guerra nas Estrelas” quanto em “O Último Samurai”, fica claro que a posição de Herói e Vilão (bem e mal) é muito mais uma questão de ponto de vista. Tanto que há uma cena em “Guerra nas Estrelas” em que Padmé pergunta a Anakin: “Já pensou que podemos estar do lado errado? E se a democracia que imaginamos servir não existe mais? Se a República tornou-se o mal que devemos combater e destruir?” Afinal, tanto Anakin, quanto o capitão Algren, só mudam de lado após conhecerem um pouco mais a fundo aqueles que inicialmente deveriam lutar contra.

O questionamento de tais filmes traz para um período pós-atentado alguns posicionamentos pertinentes em relação a representação do bem e o mal, do Herói e do Vilão, que as produções hollywoodianas sempre trabalharam. Afinal, será que aquele que se pensou ser o herói (os EUA), assim o é? Ou então, por que aquele tido como vilão (os inimigos externos de outros países), toma as atitudes que toma? O que os faz agir assim? Afinal, a “verdade” ou até mesmo a escolha de um caminho a se seguir, varia de acordo com o ponto de vista de como cada um observa uma determinada situação, dentro de um determinado contexto em que se encontra.


4. Quem Salva Quem?

“O Dia Depois de Amanhã” (The Day After Tomorrow), filme lançado em 2004 e dirigido por Roland Emmerich, arrecadou uma bilheteria mundial de mais de 500 milhões de dólares. O filme funciona como uma formulação do que aconteceria caso houvesse o derretimento das calotas polares do Ártico. A catástrofe natural é muito bem demonstrada, graças aos efeitos visuais desse blockbuster. O filme possui todos os arquétipos de um típico filme hollywoodiano: O Herói, no caso, é o cientista Jack Hall, interpretado por Denis Quaid e a Sombra ou Vilão é a própria mudança climática, que por sua vez foi provocada pelos homens, devido ao aumento da abertura na camada de ozônio que faz com que o sol fique cada vez mais forte.

No filme, uma onda enorme que varre toda a cidade de Nova Iorque, que em seguida fica congelada. A solução para os americanos é fugirem em direção ao sul, mais especificamente para o México. Há uma cena no filme em que um repórter diz: “Num reverso dramático da imigração ilegal, milhares cruzam o Rio Grande para entrar no México. As pessoas largam seus carros, pegam suas coisas e enfrentam o rio para entrar no México ilegalmente”. Depois, vemos mais uma vez no noticiário que o trânsito está fluindo melhor na fronteira porque o presidente dos EUA resolveu perdoar toda a dívida externa da América Latina em troca de abrigo para o povo americano. O presidente acaba morrendo ao tentar fugir da nevasca e o vice-presidente assume seu lugar. No final do filme ele faz um discurso na TV dizendo: “O fato de estar em solo estrangeiro é uma prova de como nossa realidade foi mudada. Não somente americanos, mas pessoas por todo o globo agora são hóspedes de nações que chamávamos de Terceiro Mundo. Num momento de necessidade, nos receberam e nos abrigaram. E sou profundamente grato por sua hospitalidade”.

A maioria dos filmes blockbusters, no estilo de “O Dia Depois de Amanhã”, mostravam os americanos como aqueles que salvavam o mundo de alguma catástrofe natural ou de alguma ameaça extra-terrestre. O próprio Roland Emmerich assim o fez em “Independence Day” (idem, 1996), quando alienígenas não muito amigáveis explodem prédios e a própria Casa Branca. O final do filme é o mais patriótico possível, com o próprio presidente dos EUA pilotando um dos aviões para enfrentar a nave-mãe dos ET’s. E ainda há o fato de que a batalha final aconteça no dia 4 de julho, que é o dia da Independência Americana, justificando assim o título do filme.

“O Dia Depois de Amanhã” é um filme que também se encaixa na característica de inversão de papéis, por mostrar os americanos na posição daqueles que serão salvos e não como aqueles que irão salvar o mundo. Ou seja, a relação que se pode estabelecer entre o motivo da catástrofe climática e também o do atentado ocorrido em 11 de setembro de 2001 é que sempre houveram agressões tanto, no caso do filme, ao meio ambiente, quanto no caso do atentado, a outros povos, porém as consequências do que isso poderia acarretar nunca foram consideradas.


5. Aqueles-Dos-Quais-Não-Falamos

Em 2004 estréia “A Vila” (The Village) do diretor indiano, mas radicado nos EUA, M. Night Shyamalan. O filme obteve uma bilheteria mundial de mais de 255 milhões de dólares. A história se passa em um vilarejo numa área rural, em uma época remota, como século XIX ou algo assim. As pessoas vivem em comunidade e isoladas do resto do mundo. Tudo parece perfeito se não fossem "aqueles-dos-quais-não-falamos", que são “criaturas” que vivem na floresta que cerca a Vila e a atacam de vez em quando. Na metade do filme descobrimos que as tais “criaturas” são de mentira. Elas foram criadas pelo líder da Vila para que seus moradores não saíssem de lá. No final do filme, um dos personagens, Lucius, que pode ser considerado o Herói, se fere e o líder da Vila pede a sua filha, que é cega, para atravessar a floresta e ir até a cidade em busca de medicamento. Quando ela ultrapassa o muro que separa a floresta da cidade, percebemos que a época em que eles vivem também foi forjada, pois o guarda que aborda a filha do líder não usa roupas como as que eles usam na Vila. Por fim, ela consegue pegar os medicamentos e retornar ao vilarejo para salvar o Herói.

Considero este o filme que melhor ilustra a metáfora do pós 11 de setembro. “A Vila” nada mais é do que a própria sociedade americana isolada, com medo de “criaturas” criada por ela mesma e alienada por um líder que diz saber o que é melhor para o bem estar de todos. E a partir do momento em que o filme se revela como um falso suspense, ele toma um sentido mais político e mais metafórico em relação ao 11 de setembro. Vale destacar que o diretor indiano desenvolveu um estilo próprio em seus filmes, que remetem ao mistério e ao sentimento de dúvida que ele cria no espectador. Num artigo publicado pelo crítico Bruno Andrade, no site Contracampo, tem-se a seguinte observação sobre a obra de Shyamalan.

De tudo isso surge a necessidade de discutir a maneira como a obra de Shyamalan se inscreve num momento ‘pós’: tragédias, acidentes, traumas, tristeza, loucura, fantasmagorias... (...) Mas é em A Vila, mais que em qualquer outro filme, que essa idéia do momento-pós alcança uma espécie de ápice, chegando mesmo a algo próximo de um esgotamento e um paroxismo completo (...) Existe uma desolação enorme partilhada pelos personagens do filme, talvez por conta do impossível que é o abandono desta ‘vila’ em favor da travessia pela floresta onde residem ‘aqueles-dos-quais-não-falamos’, ou talvez pelo sentimento de que será impossível a manutenção da harmonia que durante tanto tempo preencheu este espaço improvável que é ‘a vila’. (Andrade, S/D)

A mentira das criaturas foi criada para manter todos ali, dentro daquele espaço, e para que ninguém ousasse sair. E só foi possível que a mentira se tornasse verdadeira graças ao sentimento de medo e pânico criado em torno da falsa história das criaturas. Assim, o vilão da história se constitui não mais num vilão concreto, no caso, as criaturas, mas num vilão abstrato originado do próprio sentimento que as pessoas aprenderam e adquiriram com o passar dos anos.

Outro aspecto interessante do filme é o momento em que o líder da Vila decide contar o segredo das falsas criaturas para sua filha que é cega. Considero tal escolha como sábia e cruel. Sábia porque como ela é cega, não iria saber percorrer todo o caminho novamente caso quisesse algum dia fugir da vila. E cruel porque ele arrisca a vida da própria filha a adentrar sozinha na floresta, que apesar de não ser habitada por criaturas, pode ter outros perigos verdadeiros. Mais uma vez a metáfora se faz presente na sociedade americana da era Bush. Afinal, quando declarou guerra contra o Iraque, os soldados escolhidos foram, em sua maioria, adolescentes que são de mais fácil manipulação e alienação. Podemos muito bem compará-los a uma menina cega. Enfim, podemos concluir que a mensagem do filme é que o conceito de uma sociedade perfeita é aquela em que todos devem viver com medo, pois é através dele que se torna mais fácil o controle de um povo.

E “A Vila” não foi o único filme pós 11 de setembro que trabalhou a questão do sentimento do medo como um vilão da história. O diretor Christopher Nolan, dirigiu “Batman Begins” em 2005, e teve uma bilheteria mundial de mais de 350 milhões de dólares. O Batman de Nolan é bem diferente dos últimos filmes da série. Ele retoma o lado psicológico do personagem, assim como fez Tim Burton nos dois primeiros filmes, porém vai um pouco mais a fundo, contando como nasceu o Herói de um homem comum. O medo do filme está presente tanto no personagem principal da história, que precisa vencer os seus próprios medos, quanto através do Vilão Ra’s Al Ghul que usa um gás alucinógeno fazendo com que as pessoas vejam umas as outras como monstros, ou seja, como inimigos.

Alguns críticos também consideraram “Batman Begins” como um filme que toca em muitos pontos relevantes pós o 11 de setembro: “Até o tradicional vilão Ra’s Al Ghul foi repaginado como um terrorista moderno, intencionado em curar o mal que, a seu ver, assola a sociedade de Gotham (leia-se Ocidental)” (Gordirro, 2006).

Sendo assim, tanto em “Batman Begins” como em “A Vila” o vilão da história é o próprio sentimento de medo e pânico que as pessoas passaram a adquirir graças a uma manipulação alheia.


6. Conclusão

Este artigo extraído do meu trabalho de conclusão de curso partiu de uma observação pessoal e se apresenta como parte de uma análise do discurso de filmes hollywoodianos produzidos pós 11 de setembro de 2001, mas que ainda pretendo me aprofundar em uma pesquisa futura.


7. Referências Bibliográficas e Filmográficas

Livros:
BAUDRILLARD, Jean e MORIN, Edgar. A violência no mundo. Rio de Janeiro: Anima, 2004;
CHOMSKY, Noam. Poder e terrorismo: entrevistas e conferências pós-11 de setembro. Rio de Janeiro: Record, 2005;
GRAY, Jeffrey. A psicologia do medo e do stress. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978;
VANOYE, Francis e GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre análise fílmica. 3ª ed. São Paulo: Papirus, 1994.

Artigos e Entrevistas:
ANDRADE, Bruno. Blinding Edge: sobre A Vila e o cinema de M. Night Shyamalan. Disponível em http://www.contracampo.com.br/64/blindingedge.htm
Acesso em 03/11/06;
BAUDRILLARD, Jean. Poder versus suicídio: o choque do mundial com o singular. O Globo, Rio de Janeiro, p. 8A, 23, set. 2001. Entrevista concedida a Hugo Sukman pelo pensador francês.

Sites Consultados:
Internet Movie Database: http://www.imdb.com/boxoffice/alltimegross?region=world-wide (Acesso em 25/09/06)
Cinemanet: http://www.cinemanet.com.br/arquetipos.asp (Acesso em 05/11/06)

Filmes Citados:
A ALDEIA DOS AMALDIÇOADOS (Village of the Damned). Direção: Wolf Rilla. Produção: Ronald Kinnoch, 1960;
ÁGUA NEGRA (Dark Water). Direção: Walter Salles. Produção: Doug Davison, Roy Lee e Bill Mechanic, 2005;
A VILA (The Village). Direção: M. Night Shyamalan. Produção: Sam Mercer, Scott Rudin e M. Night Shyamalan, 2004;
AS INVASÕES BÁRBARAS (Les Invasions Barbares). Direção: Denys Arcand. Produção: Daniel Louis e Denise Robert, 2003;
A PROFECIA (The Omen). Direção: Richard Donner. Produção: Harvey Bernhard, 1976;
BATMAN BEGINS (idem). Direção: Christopher Nolan. Produção: Larry J. Franco, Charles Roven e Emma Thomas, 2005.
CIDADE DOS AMALDIÇOADOS (Village of the Damned). Direção: John Carpenter. Produção: Sandy King e Michael Preger, 1995;
DURO DE MATAR 2 (Die Hard 2). Direção: Renny Harlin. Produção: Charles Gordon, Lawrence Gordon e Joel Silver, 1990;
DURO DE MATAR - A Vingança (Die Hard With Vegeance). Direção: John McTiernan, 1999;
FORÇA AÉREA UM (Air Force One). Direção: Wolfgang Petersen. Produção: Armyan Bernstein, Gail Katz e Wolfgang Petersen, 1997;
GUERRA NAS ESTRELAS: Episódio 3 - A Vingança dos Sith (Star Wars: Episode 3 - Revenge of the Sith). Direção: George Lucas. Produção: Rick McCallum, 2005;
INDEPENDENCE DAY (idem). Direção: Roland Emmerich. Produção: Dean Devlin, 1996;
O DIA DEPOIS DE AMANHÃ (The Day After Tomorrow). Direção: Roland Emmerich. Produção: Roland Emmerich e Mark Gordon, 2004;
O CHAMADO (The Ring). Direção: Gore Verbinski. Produção: Laurie MacDonald e Walter F. Parkes, 2002;
O CHAMADO 2 (The Ring 2). Direção: Hideo Nakata. Produção: Laurie MacDonald e Walter F. Parkes, EUA , 2005. 107 min.
O GRITO (The Grudge). Direção: Takashi Shimizu. Produção: Doug Davison, Roy Lee e Robert G. Tapert, 2004;
O SEXTO SENTIDO (The Sixth Sense). Direção: M. Night Shyamalan. Produção: Kathleen Kennedy, Frank Marshall, Barry Mendel e Sam Mercer, 1999;
O ÚLTIMO SAMURAI (The Last Samurai). Direção: Edward Zwick. Produção: Tom Cruise, Tom Engelman, Marshall Herskovitz, Scott Kroopf, Paula Wagner e Edward Zwick, 2003;
PERIGO REAL E IMEDIATO (Clear and Present Danger). Direção: Phillipe Noyce. Produção: Mace Neufeld e Robert Rehme, 1994;




Larissa Queiroz Bello é graduada em Comunicação - Rádio & TV pela FAESA, Vitória, ES em dezembro de 2006. TCC orientado pela Profa. Ms. Maria da Conceição Soares. Durante a graduação foi voluntária no programa sobre cinema, Bitola, do canal universitário. Participou da realização de vários vídeos de ficção e documentário, entre eles Em Busca da Glamourânssia e Em Busca da Glamourânssia 2 – O Glamour. Atualmente participa do projeto Curta Nas Prateleiras idealizado por Cavi Borges, proprietário da locadora Cavídeo, Cobal, Humaitá, RJ. Blog pessoal Cine em Foco. E-mail: leurysmsn_arroba_hotmail.com (copie o endereço ao lado e substitua "_arroba_" por @)



Artigo inédito, publicado no Blog Intermídias no dia 23 de abril de 2007. Todos os direitos reservados. {Referência para citação deste texto: Bello, Larissa Queiroz. "Herói, Vilão e Medo. Uma análise de produções cinematográficas hollywoodianas pós 11 de setembro de 2001.". In: Blog Intermídias, 23/04/2007, [http://intermidias.blogspot.com/2007/04/heri-vilo-e-medo-uma-anlise-de-produes.html] data de acesso: }.

Um comentário:

Anônimo disse...

Um estudo de muito boa qualidade.
Parabéns pela visão e articulação das idéias!

Ivana

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