8 de março de 2010

O modesto "Guerra ao Terror" ganha contra o gigante Avatar na batalha do Oscar 2010

James Cameron realizou em 2009 seu grande feito, o filme mais caro e rentável do mundo. Apenas no mercado interno, Avatar já passa dos 700 milhões de dólares em bilheteria e continua há mais de dois meses entre os cinco filmes mais vistos nos Estados Unidos. Cameron adora esses feitos monumentais. Mas, neste domingo, antes de pisar no tapete vermelho da premiação dos Oscars, ele esperava poder dividir o prêmio de melhor filme e melhor diretor com a ex-esposa Kathryn Bigelow, diretora do modestíssimo Guerra ao Terror (The Hurt Locker). Por falsa modéstia, Cameron temia que se repetisse o mesmo resultado do Globo de Ouro (Golden Globes) quando Avatar liderou a premiação enquanto o filme da 'pobre' ex-esposa não levou nenhum prêmio. Sua preocupação não era à toa, afinal duas polêmicas já envolviam Guerra ao Terror logo antes de fecharem as urnas.


Nicholas Chartier, um dos produtores do filme, enviou um email aos membros da academia pouco antes da votação chamando a todos para apoiarem Guerra ao Terror. Ele os pedia para dizer sim ao cinema independente e não a um filme de 500 milhões de dólares, numa apologia à Avatar. Esta situação pegou tão mal, que a academia acusou o produtor por conduta de má-fé e o impediu de comparecer na cerimônia. Tudo isto mesmo depois que ele tenha pedido desculpas e tenha reenviado minutos após um outro email pedindo aos membros para desconsiderarem a primeira mensagem. Senão bastasse, um militar da reserva, ex-combatente das forças armadas americanas no Iraque, abriu um processo contra o roteirista e produtor Mark Boal de basear o filme na sua vida sem portanto levar crédito ou compensação financeira.


Polêmicas à parte, Guerra ao Terror pelo visto já estava predestinado ao panteão dos oscarizados. O filme levou quase todos os prêmios nos quais concorria, inclusive prêmios técnicos (praticamente considerados garantidos para Avatar) como montagem de som e efeitos sonoros. Com um orçamento modesto de onze milhões de dólares e uma estória originalíssima sobre uma equipe anti-bombas, Kathryn Bigelow provou que cinema de qualidade se faz com criatividade e talento. O filme é adrenalina pura como um bom filme de ação requer, construído sobre uma base dramática sólida que poucos, inclusive Avatar, conseguem alcançar. O filme neste sentido é bastante equilibrado e conta com um elenco afiadíssimo que consegue manter a atenção e tensão ao longo do filme.


Filmado com uma arquitetura narrativa provinda do documentário, os planos seguem a tendência atual do cinema-realidade, diferenciando em termos estilísticos do cinema realista ou neo-realista de alguns anos atrás. Assim toda a carga dramática é levada por uma câmera ágil e móvel, diálogos dispersos, e um elenco desconhecido e bastante crível liderado pelo excelente Jeremy Renner, deixando as estrelas de Hollywood em papéis secundários ou, se me permitem a expressão, descartáveis, entre eles estão Ralph Fiennes e Guy Pierce. Uma aposta ousada da diretora mas bastante condizente com o efeito que queria provocar no público. Se distanciando dos rostos familiares dso astros hollywoodianos, ela conseguiriam uma relação "fresca" entre audiência e personagem, com isto reproduzindo o mesmo efeito de empatia ou de desconfiança com soldados reais que servem atualmente nas forças americanas.


A academia parecia saber quem ganharia o prêmio de melhor diretor ao escalar Barbra Streisand para entregá-lo. Afinal, Streisand é considerada uma das grandes faltas da academia. Todos esperavam que ela seria em 1983 a primeira mulher a ganhar um oscar como melhor diretora pelo seu trabalho em Yentl. Quase trinta anos depois eis que finalmente uma mulher sobe ao podium, mesmo que o filme seja um filme de guerra, a presença de mulheres no filme é quase inexistente, e que Bigelow não tenha mencionado nenhuma mulher no seu discurso, não tira o feito de ainda ter sido uma das poucas produtoras a ganhar o prêmio de melhor filme.


Kathryn Bigelow no seu segundo discurso de agradecimento poderia ter exclamado: Eu sou a rainha do mundo!, como fez Cameron há dez anos atrás quando foi premiado por Titanic. Mais modesta, Bigelow agradeceu o povo da Jordânia, onde o filme foi feito, e dedicou os prêmios aos homens e mulheres que trabalham uniformizados, sejam eles soldados baseados no Iraque ou no Afganistão, quando aos bombeiros ou policiais.


Bigelow é conhecida do grande público dos filmes de ação já há algumas décadas mesmo antes de ser casada com James Cameron. Em 1987 ela dirigiu e co-roteirizou o excelente Near Dark, uma história de vampiros moderna e bastante original. Alguns anos depois alcançou grande sucesso com Caçadores de Emoção (Point Break, 1991), um ótimo filme de ação-policial capitaneado pelos astros hollywoodianos Keanu Reeves e Patrick Swayze.


Com certeza outra grande surpresa deste ano foi o prêmio de melhor filme estrangeiro para o argentino Juan José Camapanella com El secreto de sus ojos. Não que o filme não seja excelente, mas ele acabou batendo dois grandes favoritos, os premiadíssimos O laço de fita branco (Das weissen band) do diretor austríaco Michael Henneke e Um profeta (Un prophète) do diretor francês Jacques Audiard. Um profeta para se ter uma idéia arrebatou há duas semanas atrás 9 césars (o oscar francês), incluindo dois prêmios para o seu protagonista Tahar Rahim, melhor ator e melhor ator aspirante. 


O thriller policial de Campanella, um velho conhecido dos cinéfilos, diretor de O filho da Noiva e Clube da Lua, segue dentro de um gênero típico do cinema argentino: os filmes da ditatura. Apesar do filme não ter uma relação direta com a política argentina, o filme mostra os entraves dos processos judiciários num país comprometido com os desmandos dos militares e seus delatores de plantão. Um tema forte e ao mesmo tempo um suspense de tirar o fôlego. 


Mas, não podemos esquecer que Hollywood rege em torno do networking (rede de conhecidos) e dos pequenos caprichos e presentes como qualquer campanha eleitoral. E com isto, Campanella saiu na frente pois há mais de vinte anos trabalhando no mercado americano, principalmente nos seriados televisivos, ele é carinha tarimbada de Hollywood e que agora, ganhador de um oscar, se torna um diretor influente e com bastante prestígio.


A palavra ganhar ou ganhador voltou à moda este ano em Hollywood. Depois de uma onda politicamente correta de mais de décadas obrigando à todos a mencionarem o nome do prêmio antes de anunciar o felizardo... "E o Oscar vai para..." O velho jargão pra alívio e felicidade de muitos... And the Winner is... está de volta! 
Hudson Moura


Veja então a lista dos GANHADORES abaixo:



MELHOR FILME

"Guerra ao Terror"



MELHOR DIRETOR
Kathryn Bigelow ("Guerra ao Terror")

MELHOR FILME ESTRANGEIRO

El secreto de sus ojos (The secret in their eyes) Argentina
dir. Juan José Campanella

MELHOR ATOR

Jeff Bridges ("Coração Louco")

MELHOR ATRIZ

Sandra Bullock ("Um Sonho Possível")

MELHOR ATOR COADJUVANTE

Christoph Waltz ("Bastardos Inglórios")

MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

"Mo'Nique ("Preciosa - Uma História de Esperança")

ROTEIRO ORIGINAL

Mark Boal ("Guerra ao Terror")

ROTEIRO ADAPTADO

Geoffrey Fletcher ("Preciosa - Uma História de Esperança")

ANIMAÇÃO

"Up - Altas Aventuras"

CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO

"Logorama"

DIREÇÃO DE ARTE

Rick Carter e Robert Stromberg (direção de arte) e Kim Sinclair (direção de cena) em "Avatar"

FIGURINO

Sandy Powell ("The Young Victoria")

MAQUIAGEM

Barney Burman, Mindy Hall e Joel Harlow ("Star Trek")

FOTOGRAFIA

Mauro Fiore ("Avatar")

DOCUMENTÁRIO

Louie Psihoyos e Fisher Stevens ("A Enseada")

DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM

Joe Letteri, Stephen Rosenbaum, Richard Baneham e Andrew R. Jones ("Music by Prudence")

EDIÇÃO DE SOM

Paul N.J. Ottosson ("Guerra ao Terror")

MIXAGEM DE SOM

Paul N.J. Ottosson e Ray Beckett por ("Guerra ao Terror")

MONTAGEM

Bob Murawski e Chris Innis ("Guerra ao Terror")

TRILHA SONORA

Michael Giacchino por ("Up - Altas Aventuras")

CANÇÃO

"The Weary Kind" ("Coração Louco"), música e letra de Ryan Bingham e T Bone Burnett


Ricardo Darín em O segredo de seus olhos (El secreto de sus ojos) de Juan José Campanella.

Visite o site da Revista Intermídias