19 de novembro de 1994

L de Literatura

CP: L de Literatura. Um filósofo cria conceitos e um romancista cria personagens. Mas os grandes personagens de romance são pensadores. Elementar, meu caro Watson! L de Literatura.

GD: Chegamos ao L.

CP: Já?

GD: Sim!

CP: A Literatura povoa seus livros de filosofia e a sua vida. Você lê e relê muitos livros de literatura, do que chamam de "Grande Literatura". Sempre tratou os grandes escritores como pensadores. Entre Kant e Nietzsche, você escreveu Proust e os signos, que é um livro famoso. Lewis Carroll, Émile Zola, Masoch, Kafka, a Literatura inglesa e americana... Parece que é mais através da Literatura do que da história da filosofia que você inaugura um novo pensamento. Gostaria de saber se você sempre leu muito.

GD: Sim. Houve uma época em que li muito mais filosofia, pois fazia parte da minha profissão, do meu aprendizado, e não tinha muito tempo para ler romances. Mas a vida inteira, eu li grandes romances. Cada vez mais, aliás. Mas será que me é útil para a filosofia? Claro que sim. Por exemplo, a Fitzgerald, que é, por que não?, um romancista bastante filósofo, eu devo muito. O que eu devo a Faulkner também é muito grande. Estou esquecendo muitos outros. Mas tudo isso se explica em função do que já dissemos. Avançamos muito, como você já percebeu. É aquela história: o conceito não existe sozinho. O conceito, ao mesmo tempo que cumpre sua tarefa, ele faz ver coisas, está ligado aos perceptos. E o percepto, a gente o encontra em um romance. Há uma comunicação perpétua entre conceito e percepto. Há problemas de estilo que são os mesmos em Filosofia, como em Literatura. É uma questão muito simples: os grandes personagens da Literatura são grandes pensadores. Eu acabo de reler vários livros de Melville. Está claro que o Capitão Ahab é um grande pensador, que Bartleby é um pensador. É um outro tipo de pensador, mas, mesmo assim, é um pensador. Eles nos fazem pensar. De maneira tal que uma obra literária tanto traça conceitos, de forma implícita, quanto traça perceptos . Isso é certo. Mas não cabe ao literato, pois ele não pode fazer tudo ao mesmo tempo. Está tomado pela questão do percepto, em nos fazer ver e perceber e em criar personagens! Imagine o que é criar personagens! É uma coisa impressionante! O filósofo cria conceitos. Mas acontece que estes transmitem muito, porque o conceito, sob alguns aspectos, é um personagem. E o personagem tem a dimensão de um conceito. Pelo menos, eu acho. O que há de comum entre as duas atividades, a grande filosofia e a grande literatura, é que ambas testemunham em favor da vida. É o que chamei de potência há pouco. É por isso que os grandes autores não têm muito boa saúde. Existiram algumas exceções, como o caso de Victor Hugo. Eu não devia dizer que não têm boa saúde, pois alguns tinham uma saúde excelente. Mas por que existem literatos com saúde fraca? São os mesmos pelos quais passa uma enxurrada de vida. É justamente por isso. Em relação à saúde fraca de Spinoza ou à de Lawrence, o que os unia? Era quase o que eu dizia sobre a queixa: eles viram alguma coisa grande demais para eles. Eram visionários. Viram algo grande demais e não foram capazes de suportá-lo. Deixou-os arrasados. Tchekov seria um deles. Por que Tchekov ficou tão arrasado? Ele viu alguma coisa. Filósofos e literatos estão no mesmo ponto. Há coisas que se consegue ver e das quais não se pode mais voltar. Que coisas são estas? Varia muito de um autor a outro. Em geral, são perceptos no limite do suportável ou conceitos no limite do pensável. É isso. Entre a criação de um grande personagem e a criação de um conceito, eu vejo muitas ligações. É como se fosse a mesma empreitada.

CP: Você se considera um escritor em Filosofia? Um escritor literariamente falando?

GD: Não sei se me considero um grande escritor em Filosofia, mas sei que todo grande filósofo é um grande escritor.

CP: Não há uma nostalgia da obra romanesca quando se é um grande filósofo?

GD: Não, porque é como se dissesse a um pintor: "Por que não faz música?" Pode-se conceber um filósofo que também escreva romances. Sartre tentou fazer isso. Não foi nenhum... Para mim, Sartre não era um romancista, mas ele tentou. Será que houve outros grandes filósofos que escreveram romances importantes? Nenhum que eu conheça. Mas sei de filósofos que criaram personagens. Isso já aconteceu. Platão criou personagens. Nietzsche criou personagens, como Zaratustra. Aí estão os tais cruzamentos dos quais estamos sempre falando. A criação de Zaratustra, tanto poética quanto literariamente, foi um grande sucesso, assim como os personagens de Platão. São pontos em que não se sabe mais o que é conceito e o que é personagem. Estes talvez sejam os momentos mais bonitos.

CP: E seu amor por autores menores, como Villiers de I'Isle-Adam ou Restif de la Bretonne? Sempre cultivou este afecto?

GD: É muito estranho ouvir dizer que Villiers de I'Isle-Adam é um autor menor. Vamos à pergunta. Respondendo a esta pergunta... É uma coisa vergonhosa, uma vergonha mesmo. Quando era muito jovem, eu tinha a seguinte atitude: gostava de ler a obra completa de um autor. Assim, eu acabava me apegando, não por autores menores — mas muitas vezes coincidia —, por autores que tinham escrito muito pouco. Isso porque Victor Hugo me parecia grande demais, me parecia tão inacessível que eu chegava ao ponto de dizer que Victor Hugo era ruim, mas que Paul-Louis Courier era... Eu conhecia perfeitamente Paul-Louis Courier. Ele tinha escrito muito pouco. Eu tinha esta preferência por autores chamados "menores". Villiers de I'Isle-Adam não era um autor menor.

CP: Não, é um autor fabuloso, mas menor em relação aos grandes da época.

GD: Joubert! Eu conhecia a obra de Joubert perfeitamente. Além do mais, o que era vergonhoso, me dava um certo prestígio conhecer autores desconhecidos ou pouco conhecidos. Eram manias... Levei muito tempo para aprender que Victor Hugo era grandioso e que a imensidão da obra não era pejorativa. Meu amor por autores menores... Mas é verdade que a Literatura russa não consiste apenas em Dostoiévski e Tolstoi. Quem ousa chamar Leskov de autor menor? Há coisas muito impressionantes na obra de Leskov. Autores como ele são geniais. Não tenho muita coisa a dizer sobre isso, mas esta busca por autores menores já acabou. O que eu gosto muito é de encontrar em um autor pouco conhecido alguma coisa que me parece um conceito ou um personagem extraordinário. Isso sim! Mas não é uma busca sistemática.

CP: Fora Proust, que é um grande livro seu sobre um autor, a Literatura está tão presente na sua filosofia que ela é uma referência. Mas você nunca dedicou um livro à Literatura, um livro de pensamento sobre a Literatura.

GD: Não tive tempo, mas vou fazê-lo. Vou fazê-lo porque tenho vontade.

CP: De crítica?

GD: Sim, sim... Sobre o problema... Sobre o que significa escrever na Literatura. Para mim. Com tudo o que tenho pela frente, vamos ver se tenho tempo.

CP: Queria fazer uma última pergunta. Você lê e relê os clássicos, mas parece que conhece pouco os autores contemporâneos ou que não gosta de descobrir a Literatura contemporânea. Você prefere ler ou reler um grande autor a ver o que está sendo lançado ou o que é contemporâneo.

GD: Não é que não goste. Entendo o que quer dizer e vou responder muito rápido. Não é que eu não goste. É por ser uma atividade especial e muito difícil. Precisa ter uma formação. Em uma produção contemporânea é muito difícil ter gosto. É exatamente como quem conhece novos pintores. É algo que se aprende. Admiro muito as pessoas que freqüentam galerias e dizem ou sentem que naquele trabalho existe de fato um pintor. Eu não sou capaz disso. Preciso de tempo. Para você ter uma idéia, eu precisei de cinco anos para entender a novidade de Robbe-Grillet. Beckett, eu vi logo! Quando falavam de Robbe-Grillet, eu era tão burro quanto os mais burros falando de Robbe-Grillet. Não entendia nada! Precisei de cinco anos. Não sou um descobridor. Em filosofia, eu me sinto mais confiante, sou sensível aos novos tons e também ao que é repetição de coisas já ditas mil vezes! Nos romances, sou muito sensível e seguro o suficiente para reconhecer o que já foi dito ou não tem interesse algum, mas saber se é novo... Uma vez, eu senti isso. Foi com Farrachi. Descobri do meu modo alguém que me pareceu ser um ótimo romancista jovem, que é Armand Farrachi. Para esta pergunta que você me fez é totalmente pertinente, mas eu lhe respondo dizendo que não se deve achar que se possa sem experiência julgar o que se faz. Mas o que eu prefiro e acontece com freqüência — e muito me alegra — é quando o que eu faço tem alguma repercussão no trabalho de um jovem escritor ou pintor. Não quero dizer que, por isso, ele ou eu somos bons. Não é isso. Mas é assim que tenho algum tipo de encontro com o que se faz atualmente. A minha insuficiência radical relativa ao julgamento é compensada por estes encontros com pessoas que fazem coisas que batem com o que eu faço e vice-versa.

CP: Na pintura e no cinema, estes encontros são favoráveis, pois você vai até lá. Mas não imagino você entrando numa livraria à procura de livros lançados nos últimos meses.

GD: Sim, é verdade. Talvez esteja ligado ao fato de que a Literatura não anda bem hoje em dia. Não é uma idéia só minha, nem preconcebida. Está evidente para todos. É uma literatura tão corrompida pelo sistema de distribuição, prêmios, etc. que nem vale a pena.

CP: Então, vamos para a letra M.

18 de novembro de 1994

M de Maladie [Doença]

GD: Doença.

CP: Logo após terminar o manuscrito de Diferença e repetição em 1968, você foi hospitalizado por causa de uma gravíssima tuberculose. Você, que falou sobre o fato de Nietzsche e Spinoza e os grandes pensadores terem saúde fraca, foi obrigado a conviver desde 1968 com a doença. Você sabia que a tuberculose estava aí há muito tempo? Ou sabia que seu mal estava aí há muito tempo?

GD: O mal, sim. Sabia que eu tinha algum mal há muito tempo. Mas acho que sou como a maioria das pessoas, não tinha muita vontade de saber o que era. E, como a maioria, estava certo de que era um câncer. Então, não tinha pressa de saber. Eu não sabia que era tuberculose até o momento em que comecei a cuspir sangue. Sou um filho da tuberculose, mas foi num momento em que esta doença não apresentava mais perigo algum, pois já havia os antibióticos. Se tivesse sido dez ou três anos antes, teria sido bem mais grave. Se tivesse sido alguns anos antes, eu não teria sobrevivido. Mas não houve problema algum. Além do mais, é uma doença que não comporta dor. Posso dizer que estive muito doente, mas é um grande privilégio ter uma doença sem sofrimento, que é curável, sem dor... Quase não é uma doença. É uma doença, sim, é verdade. Mas, antes, eu nunca fui um homem saudável. Sempre me cansei facilmente. A questão é saber se isso facilita. Se alguém que se propõe, — nem estou falando do sucesso desta empreitada — mas alguém que quer, que gosta e tem como proposta pensar ou tentar pensar, saber se o fato de ter uma saúde fraca lhe é favorável. Não é que se esteja à escuta de sua própria vida, mas pensar é para mim estar à escuta da vida. Não é o que acontece com si próprio. Estar à escuta da vida é muito mais do que pensar em sua própria saúde. Mas acho que uma saúde fraca favorece este tipo de escuta. Há pouco, disse que grandes autores como Lawrence ou Spinoza viram alguma coisa grande, tão grande que era demais para eles. É verdade que não se pode pensar sem estar em uma área que exceda um pouco as suas forças, que o torne mais frágil. Eu sempre tive uma saúde fraca e isso ficou mais claro a partir do momento em que fui tuberculoso. Aí, eu adquiri todos os direitos de uma saúde fraca. Sim, é como você diz.

CP: Mas a sua relação com médicos e medicamentos mudou a partir daí. Você teve que ir a médicos e tomar remédios regularmente, o que foi uma obrigação! Ainda mais você que não gosta muito de médicos.

GD: Não é uma questão pessoal, pois eu conheci muitos médicos encantadores. Mas é um tipo de poder ou a forma como eles manipulam este poder que me parecem detestáveis. Voltamos ao que já falei. É como se a metade das letras comportasse o todo. A maneira como manipulam o seu poder é detestável. Como médicos, eles são detestáveis. Tenho um profundo ódio, não pela pessoa dos médicos que, em geral, são encantadores, mas pelo poder médico e pela maneira como usam este poder. Mas uma coisa me deixou feliz e, ao mesmo tempo, é o que os chateia. Os médicos trabalham cada vez mais com aparelhos e testes, em geral muito desagradáveis para o paciente e que parecem não ter interesse algum, a não ser o de confirmar o diagnóstico. Mas se são médicos talentosos, estes já sabem o diagnóstico e estas provas cruéis só vêm reforçá-lo. Eles fazem uso destas provas de uma forma inadmissível. O que me deixou feliz foi que, sempre que eu tive de passar por um daqueles aparelhos, meu fôlego era fraco demais para ser registrado pela máquina. E quando tiveram de me fazer um... Não sei mais como se chama, mas é um exame do coração que não conseguiram fazer.

CP: Uma ecografia.

GD: Sim, é isso, e tive de passar por este aparelho aí. A minha alegria foi vê-los furiosos naquele momento. Acho que eles odeiam o pobre paciente neste momento. Eles aceitam errar o diagnóstico, mas não aceitam que alguém não possa ser visto pela máquina. Além do mais, eles são muito incultos. Eles são muito... Como diria? Quando eles se metem na cultura, é uma catástrofe. A classe médica é uma gente estranha. O que me consola é que ganham muito dinheiro, mas não têm tempo para gastá-lo ou aproveitá-lo, pois levam uma vida extremamente difícil. É verdade que os médicos não me atraem muito. É claro que isso independe da personalidade deles, mas quando exercem a sua função, tratam as pessoas como cães. Aí, há de fato uma luta de classes, pois se o paciente é rico, eles já são bem mais educados. Menos em cirurgia, que é um caso à parte. Mas os médicos precisariam de uma reforma, pois há de fato um problema.

CP: E os remédios que precisa tomar o tempo todo?

GD: Até que eu gosto. Remédios não me aborrecem. Mas cansam, claro.

CP: Mas não é uma chatice tomar remédios?

GD: Quando são muitos, como atualmente, sim. Aquele monte de remédios de manhã cedo parece uma besteira. Mas eu também sinto que é muito útil. Eu sempre fui a favor dos remédios, até na área de psiquiatria. Sempre fui a favor da farmácia.

CP: E este cansaço do qual falou, que está ligado à doença, e que já existia antes da doença, me faz pensar no texto de Blanchot sobre o cansaço na amizade. O cansaço ocupa grande parte de sua vida. Às vezes, parece que o usa como desculpa para o que o está chateando. Você usa o cansaço. O cansaço lhe é útil.

GD: Eu acho o seguinte... Voltamos ao tema da potência. O que é realizar um pouco de potência, fazer o que se pode, fazer o que está na minha potência? É uma noção bem complexa, pois o que nos torna impotentes, como uma saúde fraca ou uma doença..., precisa-se saber como utilizá-las para, por meio delas, recuperar um pouco da potência. É claro que a doença deve servir para alguma coisa, como todo o resto. Não estou falando apenas em relação à vida, na qual ela deve dar um sensação. Para mim, a doença não é uma inimiga, pois não é uma coisa que dá a sensação da morte, e sim, que aguça a sensação da vida. Não é no sentido de: "Ah, como gostaria de viver e quando estiver curado, vou começar a viver!" Não é nada disso. Não há nada de mais abjeto no mundo do que um bon vivant. Ao contrário, os grandes vivos são pessoas de saúde muito fraca. Voltando à questão da doença, ela aguça uma visão da vida, uma sensação da vida. Quando falo em visão da vida, em vida ou em ver a vida, é ser tomado por ela. A doença aguça e dá uma visão da vida. A vida em toda a sua potência, em toda a sua beleza! Estou seguro disso. Mas como ter benefícios secundários da doença? É muito simples. É preciso usá-la para ser mais livre. Tem de usá-la, senão é muito chato, pois a gente se estafa e isso não deve acontecer. Estafar-se trabalhando para realizar alguma potência vale a pena, mas estafar-se socialmente, eu não entendo. Não entendo um médico estressado porque tem clientes demais. Tirar partido da doença é se libertar das coisas das quais não se liberta na vida normal. Por exemplo, eu nunca gostei de viajar. Nunca pude, nem soube viajar. Respeito os que viajam, mas o fato de ter uma saúde tão frágil me dava muita segurança para recusar qualquer viagem. Sempre foi muito difícil deitar-me muito tarde. A minha saúde não me permitia deitar tarde demais. Não estou falando em relação aos amigos, mas às tarefas sociais. A doença me libera muito. É ótima neste sentido.

CP: Você vê esta fadiga como a doença?

GD: A fadiga é outra coisa. Para mim é: "Hoje, fiz o que pude". A fadiga é biológica. O dia acabou, pronto. Ele pode durar mais por razões sociais, mas a fadiga é a formulação biológica do fim do dia. Não dá para tirar mais nada de você. Visto desta forma, não é um sentimento desagradável. É desagradável se não se faz nada. Aí, é angustiante. Do contrário, é bom. Eu sempre fui sensível aos estados suaves. Estas fadigas suaves. Gosto deste estado quando ele vem no final de alguma coisa. Isso deveria ter um nome em música. Não sei como chamariam isso. É uma coda. A fadiga é uma coda.

CP: Gostaria de que falássemos de sua relação com a comida.

GD: A velhice... A velhice, não. A comida?

CP: Sim, porque você gosta de comidas que parecem lhe dar força e vitalidade, como miolo, lagosta, etc. Mas tem uma relação particular com a comida. Não gosta muito de comer.

GD: Sim, para mim, comer é uma coisa... Se eu tentasse definir a qualidade de comer seria muito chato. Para mim, comer é a coisa mais chata do mundo. Beber, sim! Mas a letra B já passou. Beber é extremamente interessante. Comer nunca me interessou e acho chatíssimo. Comer sozinho é terrível. Comer acompanhado muda tudo, mas não transforma a comida, só me permite suportar comer, mesmo que eu não diga nada, e faz com que seja menos chato. Comer sozinho... Muita gente é assim. Aliás, a maioria das pessoas admite que comer é uma tarefa abominável. Mas é claro que tenho os meus pratos prediletos. Mas são especiais, pois causam um nojo universal. Mas, afinal, eu bem que suporto o queijo dos outros.

CP: Você não gosta de queijo.

GD: Dentre as pessoas que não suportam queijo, eu sou um dos raros a ser tolerante, pois não expulso aquele que come queijo. Sempre suportei este gosto que me parece igual ao canibalismo. Parece-me o horror absoluto. Quando me perguntam de que é composta a minha refeição predileta, que seria uma festa para mim, eu sempre falo de três coisas que me parecem sublimes e, no entanto, são nojentas: língua, miolo e tutano. São coisas muito ricas e seria difícil engolir tudo isso. Mas há alguns restaurantes em Paris que servem tutano. Mas, depois, não posso comer mais nada, pois servem uma grande quantidade. Aliás, é fascinante. O miolo e a língua... Se eu tentasse relacionar com o que dissemos, há uma espécie de trindade. Poderíamos dizer — e seria anedótico — que o cérebro é Deus, é o Pai. Que o tutano é o Filho, já que está ligado às vértebras, que são pequenos crânios, e Deus é o crânio. Pequenos crânios, vértebras... Portanto, o tutano é Jesus. E a língua é o Espírito Santo, que é a própria potência da língua. Eu também poderia arriscar assim: o miolo é o conceito, o tutano é o afecto e a língua é o percepto. Não me pergunte por quê, mas sinto que são trindades. É, esta seria uma refeição fantástica para mim. Não sei se já tive os três ao mesmo tempo. Talvez em algum aniversário. Alguns amigos teriam feito uma refeição destas para mim. Uma festa!

CP: Mas não pode comer as três coisas...

GD: Seria demais!

CP: ... pois fala de sua velhice todos os dias.

GD: A velhice! Alguém soube falar da velhice. Foi Raymond Devos. Muitas outras coisas foram ditas, mas ele disse o melhor para mim. Acho que a velhice é uma idade esplêndida. Claro que há algumas chateações, tudo fica mais lento, nos tornamos lentos. O pior é quando alguém lhe diz: "Mas não é tão velho assim!" Não entende o que é uma queixa. Estou me queixando dizendo "Ah, estou velho!". Ou seja, invoco as potências da velhice. E aí, alguém me diz, com a intenção de me consolar: "Não está tão velho assim". Eu daria uma bengalada nele! Logo quando estou em plena queixa da minha velhice, não venham me dizer: "Até que não é tão velho assim". Pelo contrário, deviam dizer: "Está velho mesmo!" Mas é uma alegria pura. Fora esta lentidão, de onde vem esta alegria? O que é terrível na velhice? Não é brincadeira. É a dor e a miséria. Não é a velhice em si. O que é patético, o que torna a velhice algo triste são as pessoas pobres que não têm dinheiro para viver, nem um mínimo de saúde necessário e que sofrem. Isso é que é terrível. E não a velhice! A velhice não é um mal em si. Com dinheiro suficiente e um mínimo de saúde, é formidável. E por que é formidável? Primeiro, porque, na velhice, sabe-se que chegou lá. O que é muito! Não é um sentimento de triunfo, mas chegou lá. Chegou lá em um mundo cheio de guerras, de vírus malditos e tudo o mais. Mas conseguiu atravessar tudo isso, os vírus, as guerras e todas estas porcarias. Esta é a hora em que só há uma coisa: ser! O velho é alguém que é. Ponto final. Podem dizer que é um velho rabugento, etc. Mas ele é. Ele adquiriu o direito de ser. Afinal, um velho pode dizer que tem projetos. É verdade e não é. São projetos, mas não da forma como alguém de 30 anos tem projetos. Espero escrever estes dois livros, um sobre a Literatura e outro sobre a Filosofia. Mas, mesmo assim, estou livre de qualquer projeto. Estou livre de projetos. Quando se é velho, deixa-se de ser suscetível. Não há mais suscetibilidades, não há mais decepções fundamentais. Estamos muito mais desinteressados. Amamos as pessoas de fato pelo que elas são. Acho que afina a percepção. Vejo coisas que não via antes, percebo elegâncias às quais eu não era sensível. Agora, eu as vejo melhor, porque olho para alguém pelo que ele é, quase como se eu quisesse carregar comigo uma imagem dele, um percepto ou tirar da pessoa um percepto. Tudo isto torna a velhice uma arte. Os dias passam numa velocidade impressionante com a escansão, a fadiga. A fadiga não é uma doença, é outra história. E também não é a morte. Eu repito: é um sinal de que o dia acabou. Com a velhice, existem algumas angústias, mas basta evitá-las. Elas são fáceis de serem esconjuradas. Elas são como os lobisomens ou os vampiros, é só não estar na frente de um. Gosto desta idéia. Não se deve estar sozinho à noite quando começa a esfriar, pois somos lentos demais para poder fugir. Então, são coisas a evitar. A grande maravilha é que as pessoas deixam a gente de lado, a sociedade deixa a gente de lado. Ser deixado de lado pela sociedade é uma alegria tamanha! Não que a sociedade tenha me importunado muito, mas quem não tem a minha idade ou não está aposentado não sabe a alegria que é ser deixado de lado pela sociedade. Os velhos que eu ouço se lamentando são aqueles que não queriam ser velhos, que não suportam a aposentadoria. Não sei por quê. Que leiam romances! Pelo menos, descobririam alguma coisa. Eles não suportam. Eu não acredito, com exceção de alguns casos japoneses, naqueles aposentados que não conseguem encontrar alguma ocupação. É uma maravilha ser deixado de lado. Basta sacudir-se um pouco para que tudo caia. Caem todos os parasitas que você carregou a vida inteira. E o que resta à sua volta? Só as pessoas que ama e que o suportam e o amam também. O resto deixou você de lado. Estou falando de mim. Mas fica muito difícil quando querem trazê-lo de volta. Não suporto isso. Eu só conheço a sociedade através do aviso de chegada da aposentadoria todo mês. Do contrário, sei que sou um desconhecido para a sociedade. O problema é quando alguém acredita que eu ainda faço parte dela e que me pede uma entrevista. No nosso caso atual, é diferente, pois faz parte de um sonho de velhice. Mas quando alguém quer me entrevistar, tenho vontade de dizer: "Tá maluco? Você não sabia que sou um velho e fui deixado de lado pela sociedade?" Mas é bom. Acho que estão confundindo as coisas: o problema não é a velhice, mas a miséria e o sofrimento. Mas quando se é velho, miserável e sofredor, aí, não há palavras para dizer o que é. Mas um velho simplesmente, que é apenas velho, é o ser.

CP: Mas como está doente, cansado e velho, fazendo a devida distinção entre as três coisas, deve ser difícil para aqueles que o cercam e que não estão doentes, cansados, nem velhos como você. Para seus filhos e sua mulher?

GD: Meus filhos... Meus filhos, não há muito problema. Poderia haver algum problema se eles fossem menores, mas como já são grandes, vivem a sua vida e eu não dependo deles, não há problema algum, a não ser problemas afetivos quando eles pensam: "Ele parece cansado mesmo". Mas acho que não há um problema grave com os filhos. E com Fanny, acho que também não é um problema. Mesmo se para ela... Não sei... É difícil imaginar o que teria feito a pessoa que ama se tivesse vivido outra vida. Suponho que Fanny teria gostado de viajar. Ela certamente não viajou como talvez tenha desejado. Mas o que ela descobriu que não teria descoberto se tivesse viajado? Como ela teve uma formação literária muito forte, quantas coisas ela descobriu em romances esplêndidos que valem por mil viagens? Claro que há problemas, mas estão acima da minha compreensão.

CP: Para terminar, quando fala de seus projetos, como o livro sobre a Literatura e o seu último livro O que é a Filosofia?, o que há de divertido em abordá-los estando velho? Você disse que talvez não os realizasse, mas que era divertido.

GD: É uma coisa maravilhosa, sabe? Primeiro, há uma evolução. Quando se é velho, a idéia do que deseja fazer fica cada vez mais pura, no sentido de que fica cada vez mais refinada. É exatamente como as famosas linhas de um desenhista japonês. Linhas muito puras. Parece não ter nada, só uma linha muito fina. Eu só posso conceber isso como o projeto de um velho. Algo que seja tão puro, tão nada, mas, ao mesmo tempo, seja tudo, seja tão maravilhoso! Para conseguir alcançar esta sobriedade, só depois de muito tempo de vida. O que é a filosofia? Acho muito divertido, na minha idade, a idéia de sair em busca do que é a Filosofia, de ter a sensação de que sei e de que sou o único a saber. Se eu morrer atropelado amanhã, ninguém vai saber o que é a Filosofia. São coisas muito agradáveis para mim. Mas eu poderia ter escrito um livro sobre o que é a Filosofia há 30 anos. Eu sei que teria sido muito... Teria sido um livro muito...

CP: Pesado?

GD: Muito diferente do que aquele que concebo agora, em que busco uma certa sobriedade. Poderia ser bom, como poderia não ser. Mas sei que é agora que devo concebê-lo. Antes, eu não saberia. Agora, acho que sou capaz. Mas, de qualquer forma, não seria...

17 de novembro de 1994

N de Neurologia

CP: N de Neurologia. Um pensamento é um produto da mente e um mecanismo cerebral. Demonstração. Então, N é neurologia e cérebro.

GD: Neurologia e cérebro... A neurologia é muito difícil.

CP: Seremos breves.

GD: É verdade que a neurologia sempre me fascinou, mas por quê? É o que acontece na cabeça de alguém ao ter uma idéia. Prefiro quando alguém tem uma idéia, senão é como um flipperama. O que acontece? Como se dá a comunicação dentro da cabeça? Antes de falar de comunicação, como ela acontece dentro da cabeça? Ou então na cabeça de um idiota. Quem tem uma idéia e um idiota são a mesma coisa. Eles não procedem por caminhos pré-traçados, por associações já feitas. O que acontece? Se soubéssemos, acho que entenderíamos tudo. Isso me interessa. Por exemplo, as soluções têm de ser muito variadas, quer dizer, duas extremidades nervosas no cérebro podem entrar em contato. É isso que chamamos de processos elétricos nas sinapses. Há outros casos bem mais complexos, talvez, que são descontínuos, nos quais há uma falha a saltar. Acho que o cérebro é cheio de fendas, que há saltos que obedecem a um regime probabilista, que há relações de probabilidade entre dois encadeamentos, que é algo muito mais incerto, muito incerto. As comunicações dentro de um mesmo cérebro são fundamentalmente incertas, submetidas a leis de probabilidade. O que faz com que eu pense em algo? Você dirá: "Ele não está dizendo nada de novo, é a associação de idéias". Seria quase necessário se perguntar se, quando um conceito é dado... Ou um quadro, uma obra de arte é contemplada, olhada... Teríamos de tentar fazer o mapa cerebral correspondente. Quais seriam as comunicações contínuas, as comunicações descontínuas de um ponto a outro. Há uma coisa que chamou muito a minha atenção. Assim chegamos onde você queria. O que me impressionou foi uma história... algo de que os físicos se utilizam muito sob o nome de "transformação do padeiro". Pega-se um quadrado de massa, faz-se um retângulo, dobra-se, estica-se novamente etc. São feitas transformações. Ao final de x transformações, dois pontos contíguos, sem dúvida, estarão muito distantes. Não há pontos distantes que, após x transformações, não sejam contíguos. Eu me pergunto: ao procurarmos algo na cabeça, será que não acontecem misturas desse tipo? Será que não há dois pontos que, num dado momento, num estágio do pensamento, eu não sei como aproximar e que, ao final dessa transformação, estão um do lado do outro? Eu quase chegaria a dizer que, entre um conceito e uma obra de arte, ou seja, entre um produto da mente e um mecanismo cerebral, há semelhanças que são muito comoventes. Acho que a questão "como pensamos?" ou "o que significa pensar?" diz respeito, ao mesmo tempo, ao pensamento e ao cérebro, tudo misturado. Acredito mais no futuro da biologia molecular ou do cérebro do que no futuro da informática ou de todas as teorias da comunicação.

CP: Você sempre abriu espaço para a psiquiatria do século 19, que se ocupava muito de neurologia e ciência do cérebro em comparação com a psicanálise. Você manteve essa prioridade da psiquiatria sobre a psicanálise justamente devido à sua atenção à neurologia?

GD: Sim, sem dúvida.

CP: E isso continua?

GD: É o que eu estava dizendo. A farmacologia também tem relações com... A farmacologia e sua ação possível sobre o cérebro e as estruturas cerebrais que poderíamos encontrar em nível molecular nos casos de esquizofrenia, tudo isso me parece um futuro mais seguro do que a psiquiatria espiritualista.

CP: Essa é uma questão de método. Não é segredo, é uma questão aberta às ciências. Você é um autodidata. Quando você lê uma revista de neurobiologia, ou uma revista científica, você não é muito bom em matemática, ao contrário dos filósofos que você estudou. Bergson era formado em matemática, Spinoza era bom em matemática, Leibniz também. Como você faz para ler quando tem uma idéia, precisa de algo que lhe interessa e que você não necessariamente entende tudo? Como você faz?

GD: Tem uma coisa que me reconforta muito. Acho que há várias leituras de uma mesma coisa e acredito piamente que não é preciso ser filósofo para ler filosofia. A filosofia é suscetível, ou melhor, precisa de duas leituras ao mesmo tempo. É absolutamente necessário que haja uma leitura não-filosófica da filosofia, senão não haveria beleza na filosofia. Ou seja, não-especialistas lêem filosofia e a leitura não-filosófica da filosofia não carece de nada, possui sua suficiência. É simplesmente uma leitura. Isso talvez não valha para todos os filósofos. Vejo com dificuldade uma leitura não-filosófica de Kant, por exemplo. Mas um camponês pode ler Spinoza. Não me parece impossível que um comerciante leia Spinoza.

CP: Nietzsche.

GD: Nietzsche mais ainda. Todos os filósofos de que gosto são assim. Acredito que não haja necessidade de compreensão. É como se a compreensão fosse um nível de leitura. É como se você me dissesse que, para apreciar Gauguin ou um grande quadro, é preciso conhecê-lo profundamente. O conhecimento profundo é melhor, mas também há emoções extremamente autênticas, extremamente puras e violentas na ignorância total da pintura. É claro que alguém pode ficar abalado com um quadro e não saber nada a seu respeito. Podemos ficar muito emocionados com a música ou com uma certa obra musical sem saber uma palavra. Eu, por exemplo, fico emocionado com LuluWozzeck. Nem falo do Concerto em memória de um anjo, que acredito que seja o que mais me emociona no mundo. Sei que seria ainda melhor ter uma percepção competente, mas digo que tudo que é importante no campo mental é suscetível a uma dupla leitura, desde que não façamos essa dupla leitura casualmente enquanto autodidatas. É algo que fazemos a partir de problemas vindos de outro lugar. É como filósofo que tenho uma percepção não-musical da música, que talvez seja para mim extraordinariamente comovente. Da mesma forma, é como músico, pintor etc. que alguém pode ter uma leitura não-filosófica da filosofia. Não ter essa segunda leitura, que não é exatamente a segunda, não ter duas leituras simultâneas... São como as duas asas de um pássaro, não é muito bom não ter as duas leituras simultâneas. Até um filósofo tem de aprender a ler um grande filósofo não-filosoficamente. O exemplo típico para mim é mais uma vez Spinoza. Ter um livro de bolso de Spinoza e lê-lo assim... Para mim, tem-se tanta emoção quanto numa obra musical. De certa forma, a questão não é mais compreender. Nos meus cursos, nos cursos que dei, era evidente que as pessoas compreendiam uma parte e não compreendiam outra. Um livro é assim para todos: compreendemos uma parte, outra, não. Volto à sua pergunta sobre a ciência. Acho que é verdade, o que faz que, de certo modo, estejamos no limite da própria ignorância. É aí que temos de nos posicionar. Temos de nos posicionar no limite do próprio saber ou da própria ignorância para ter algo a dizer. Se espero saber o que vou escrever, e se espero saber, literalmente, do que estou falando, o que eu disser não terá nenhum interesse. Se não me arrisco e falo com ar de sábio do que não sei, também não haverá nenhum interesse. Mas estou falando da fronteira que separa o saber do não-saber. É aí que temos de nos posicionar para ter algo a dizer. Quanto à ciência, para mim é a mesma coisa. E a confirmação para mim é que sempre tive relações surpreendentes. Eles nunca me consideraram um cientista, acham que não entendo muita coisa, mas me dizem: "Funciona". Quer dizer, alguns me disseram: "Funciona". Quando eu uso... Seria necessário... Sou sensível aos ecos, não sei como chamar isso. Vou tentar dar um exemplo bastante simples. Um pintor do qual gosto muito é Delaunay. O que Delaunay faz? Se eu tentar resumir em fórmulas, o que Delaunay faz? Ele percebe uma idéia prodigiosa. Isso nos faz voltar ao início: o que é ter uma idéia? Qual é a idéia de Delaunay? A sua idéia é que a luz sozinha forma figuras, há figuras de luz. É algo muito novo. Talvez, muito antes, tivessem já tido essa idéia. O que aparece com Delaunay é a criação de figuras formadas pela luz, figuras de luz. Ele pinta figuras de luz e não os aspectos assumidos pela luz ao encontrar um objeto, o que seria muito diferente. É assim que ele se afasta de todos os objetos. Sua pintura não tem mais objetos. Li coisas muito bonitas que ele disse. Ao julgar severamente o cubismo, ele disse: "Cézanne tinha conseguido quebrar o objeto, quebrar a compoteira, e os cubistas ficam tentando colá-la". Portanto, o importante é eliminar o objeto, substituir as figuras rígidas, geométricas, com figuras de luz pura. Essa é uma coisa: evento pictórico e evento Delaunay. Não sei as datas, mas isso não importa. Há uma maneira ou um aspecto da relatividade, da teoria da relatividade. Conheço só um pouco, não preciso muito disso. Não precisamos saber grande coisa. Ser autodidata é que é perigoso, mas não precisamos saber grande coisa. Sei apenas que um dos aspectos da relatividade é exatamente que, em vez de submeter as linhas geométricas... Não. Em vez de submeter as linhas de luz, as linhas seguidas pela luz, às linhas geométricas, a partir da experiência de Michaelson, acontece o inverso. São as linhas de luz que vão condicionar as linhas geométricas. Entendo que, cientificamente, é uma inversão considerável. Isso mudou tudo, pois a linha de luz não tem a constância da linha geométrica. Tudo mudou. Não digo que tenha sido tudo, que o aspecto da relatividade tenha sido o mais importante da experiência de Michaelson. Não vou dizer que Delaunay tenha aplicado a relatividade. Eu celebraria o encontro entre uma tentativa pictórica e uma tentativa científica, as quais devem ter alguma relação. Eu estava dizendo a mesma coisa. Por exemplo: não conheço muito bem os espaços reimannianos, não conheço os detalhes. Conheço apenas o necessário para saber que se trata de um espaço construído pedaço por pedaço e cujas ligações das partes não são predeterminadas. Mas, por razões totalmente diferentes, preciso de um conceito de espaço que é construído por ligações que não são predeterminadas. Eu preciso disso. Não vou passar cinco anos tentando entender Riemann, pois, ao final desses cinco anos, não terei avançado no meu conceito filosófico. Vou ao cinema, vejo um espaço estranho, que todos conhecem como o espaço dos filmes de Bresson, onde o espaço é raramente global, é construído pedaço por pedaço. Vemos um pedaço de espaço, um pedaço de cela. Em O condenado à morte, a cela, do que me lembro, nunca é vista inteira, apesar de ser um pequeno espaço. Não falo da estação de Lyon em Pickpocket, onde pequenos pedaços de espaço se ligam. Essa ligação não é predeterminada, e é por isso que será manual. Daí a importância das mãos para Bresson. É a mão que vai... De fato, em Pickepocket, é a velocidade na qual os objetos roubados são passados que vai determinar a ligação de pequenos espaços. Não vou dizer que Bresson aplica um espaço riemanniano. Digo que pode haver um encontro entre um conceito filosófico, uma noção científica e um percepto estético. É perfeito. Digo que sei apenas o necessário de ciência para avaliar encontros. Se eu soubesse mais, faria ciência e não filosofia. Portanto, falo do que não sei, mas falo do que não sei em função do que sei. E, se tudo isso tem a ver com tato, sei lá, não devemos mistificar, não devemos parecer que sabemos quando não sabemos. Assim como eu tive encontro com pintores... Foi o dia mais bonito da minha vida. Tive um certo encontro, não um encontro físico, mas, no que escrevo, tive encontros com pintores. O maior deles foi com Hantaï. Hantaï me disse: "Sim, há alguma coisa". Não foi em nível de elogio. Hantaï não é do tipo que vai me fazer elogios. Não nos conhecemos, mas havia algo. O que foi meu encontro com Carmelo Bene? Nunca fiz ou entendi de teatro. Tenho de crer que havia algo. Há pessoas de ciência com quem isso também funciona. Conheço matemáticos que, quando gentilmente lêem meu trabalho, dizem: "Para nós, isso funciona". É um pouco chato porque parece que estou fazendo um elogio a mim mesmo, mas é para responder à pergunta. Para mim, a questão não é se eu sei muita ciência ou não, ou se sou capaz de aprender muita ciência. O importante é não falar besteira, é estabelecer os ecos, esses fenômenos de eco entre um conceito, um percepto, uma função, já que as ciências não procedem com conceitos, mas com funções. Quanto a isso, preciso dos espaços de Riemann. Sim, sei que isso existe, não sei bem o que é, mas isso me basta.

16 de novembro de 1994

O de Ópera

CP: O de Ópera. Acabamos de saber que Ópera é um tema um pouco... É um tema um pouco de brincadeira porque exceto WozzeckLulu, de Berg, a ópera não faz parte dos seus interesses. Você pode falar de novo sobre a exceção feita a Berg, mas ao contrário de Foucault ou de Châtelet, que gostavam muito da ópera italiana, você nunca escutou muita música nem ópera. O que lhe interessa mais é a canção popular. A canção popular e, mais especificamente, Edith Piaf. Você é apaixonado por Edith Piaf. Fale um pouco disso.

GD: Você foi um pouco severa. Primeiro, escutei muita música numa certa época, há muito tempo. Depois, parei porque pensei: "Não é possível. Isto é um abismo, toma tempo demais". É preciso ter tempo, e eu não tenho. Tenho muito a fazer. Não estou falando de obrigações sociais. Tenho vontade de fazer, escrever algumas coisas e não tenho tempo para ouvir música ou para ouvir bastante.

CP: Châtelet, por exemplo, trabalhava ouvindo ópera.

GD: Bem, isso é um método. Eu não poderia fazer isso. Ele ouvia ópera. Não sei se ele fazia isso enquanto trabalhava. Talvez quando recebia alguém, assim cobria o que lhe diziam quando ele já estava cheio. Mas esse não é o meu caso. No máximo seria o que eu entendo... Preferiria que você me perguntasse, que você transformasse a pergunta em: o que faz com que haja uma comunhão entre uma canção popular e uma obra-prima musical? Isso me fascina. Acho que Edith Piaf foi uma grande cantora, ela tinha uma voz extraordinária e, além disso, ela tinha a característica de sair do tom e de recuperar a nota fora de tom, uma espécie de sistema em desequilíbrio no qual sempre recuperamos algo. Esse me parece o caso de todos os estilos. Gosto muito porque é o que me pergunto sobre tudo em relação à música popular. Eu sempre me pergunto: "O que isso tem de novo?". Sobre tudo, sobre todas as produções a primeira pergunta a ser feita é: "O que isso tem de novo?". Se já foi feito 10 ou 100 vezes, pode ser muito bem feito, mas compreendo perfeitamente quando Robbe-Grillet diz: "Balzac é evidentemente um grande gênio, mas qual é o interesse hoje de fazer romances como os que Balzac fazia?". Isso mancha os romances de Balzac porque... Isso serve para tudo. O que me tocava em Edith Piaf era no que ela inovava em relação à geração anterior, em relação a Fréhel e à outra grande... Damian. Em relação a Fréhel e a Damian. As inovações que ela trouxe, como ela inovou até no traje das cantoras. Eu era extremamente sensível à voz de Piaf. Nos cantores mais modernos, é necessário pensar, para entender o que vou dizer, em Trénet. Qual foi a inovação das canções de Trénet? Literalmente, nunca tínhamos ouvido aquele modo de cantar. Insisto muito nesse ponto porque para a filosofia, a pintura, tudo, para a arte, seja a música popular ou o resto, ou para o esporte... Veremos quando falarmos sobre esporte que é a mesma coisa. O que há de novo? Se interpretarmos isso em termos de moda, é exatamente o contrário. O novo não está na moda, que talvez estará, mas que não está na moda porque é inesperado. Por definição, é inesperado. É algo que surpreende as pessoas. Quando Trénet começou a cantar, dissemos: "É um louco". Hoje, ele não é mais considerado louco, mas ficou marcado para sempre que ele era um louco. Edith Piaf me parecia grandiosa.

CP: Você também gostou muito de Claude François.

GD: Claude François, porque pensei ter visto, com razão ou não, que ele também trazia algo de novo. Há muitos, não quero citar nomes. É muito triste porque cantaram assim centenas, milhares de vezes. Além disso, eles não têm voz nenhuma e não buscam nada. É a mesma coisa inovar e buscar algo. O que Edith Piaf buscava? Tudo o que posso dizer sobre a saúde frágil e a grande vida... O que ela viu, a força da vida é o que acabou com ela. Ela é o próprio exemplo. Poderíamos citar Edith Piaf em tudo o que já dissemos. Quanto a Claude François, ele buscava algo. Ele buscava um tipo novo de espetáculo, um espetáculo musical. Ele inventou essa espécie de canção dançada, que implica obviamente em playback. Azar ou não. Assim, ele pôde fazer pesquisas sonoras. Até o fim, ele não estava satisfeito porque suas letras eram idiotas e isso é importante numa canção. As letras eram fracas. Ele não parou de tentar mudar as letras para chegar a letras melhores, como a de Alexandrie Alexandra, que era uma boa canção. Hoje, não sei quem... Mas, quando ligamos a TV... É o direito do aposentado. Quando estou cansado, posso ligar a TV. Quanto mais canais temos, mais eles se parecem e são de uma nulidade radical. O regime da concorrência... Fazer concorrência, seja no que for, é produzir a mesma nulidade eterna. Isso é a concorrência. Saber o que fará o espectador assistir este canal e não aquele é espantoso. Não podemos mais chamar isso de canto porque a voz não existe mais, não há a mínima voz. Mas, enfim, não vamos reclamar. O que me toca é um campo comum e, contudo, tratado, pela canção popular e pela música, de duas maneiras respectivamente diferentes. E do que se trata? Acho que aí fizemos um bom trabalho, Félix e eu, pois se me perguntassem: "Que conceito filosófico você produziu, já que você fala sobre criar conceitos?" Criamos ao menos um conceito muito importante: o de ritornelo. Para mim, o ritornelo é esse ponto comum. De que se trata? Digamos que o ritornelo é uma pequena ária. Quando é que digo tra-la-lá? Agora estou fazendo filosofia... Eu me pergunto: "Quando é que cantarolo?" Cantarolo em três ocasiões: quando dou uma volta pelo meu território e tiro o pó dos móveis. O rádio está ao fundo. Ou seja, quando estou na minha casa. Cantarolo quando não estou em casa e estou voltando para casa ao anoitecer, na hora da angústia. Procuro meu caminho e me encorajo cantarolando. Estou a caminho de casa. E cantarolo ao me despedir e levo no meu coração... Tudo isso é canção popular: "Vou embora e levo no coração..." Quando saio da minha casa, mas para ir aonde? Em outros termos, para mim, o ritornelo está totalmente ligado - e isso me remete ao A de Animal - ao problema do território, da saída ou entrada no território, ou seja, ao problema da desterritorialização. Volto para o meu território, que eu conheço, ou então me desterritorializo, ou seja, parto, saio do meu território. Você vai perguntar: "O que isso tem a ver com a música?" É preciso progredir ao criar um conceito, por isso uso a imagem do cérebro. Neste momento, estou pensando num lied. O que é um lied? Um liedlied. Seja em Schumann ou em Schubert, é fundamentalmente isso. Eu acho que isso que é o afecto. Quando eu disse "A música é a história dos devires e da potência do devir", estava falando de algo assim. Pode ser genial ou medíocre. O que é então a verdadeira grande música? Parece-me uma operação "artista da música". Eles partem do ritornelo. Estou falando dos músicos mais abstratos. Entendo que cada um tem seu próprio tipo de ritornelo. Eles partem de pequenas árias e ritornelos. É preciso ver Vinteuil e Proust. Três notas, depois, duas. Há um pequeno ritornelo na base de todo Vinteuil, na base do septeto. É um ritornelo. Temos de achá-lo sob a música. É algo prodigioso. O que acontece? Um grande músico não coloca um ritornelo depois do outro, mas ele funde ritornelos num ritornelo mais profundo. São todos os ritornelos, quase territórios, um território e outro, que vão se organizar no interior de um imenso ritornelo, que é um ritornelo cósmico. Tudo o que Stockhausen conta sobre a música e o cosmo, toda essa maneira de retomar temas que eram correntes na Idade Média e no Renascimento... Sou a favor dessa idéia de que a música está ligada ao cosmo de uma maneira... Um músico que admiro muito e que me emociona é Mahler. O que são os Cantos da terra? Não podemos dizer melhor. E perpetuamente, como elemento de gênese, temos um pequeno ritornelo, às vezes, baseado em dois sinos de vacas. Em Mahler, é muito comovente a maneira como todos esses ritornelos, que já são obras musicais geniais, ritornelos de taverna, de pastores etc., se compõem numa espécie de grande ritornelo que será o Canto da terra. Mais um exemplo seria Bartok, que, para mim, evidentemente, é um grande músico, um grande gênio. O modo como os ritornelos locais, os ritornelos de minorias nacionais são retomados numa obra que não acabamos de explorar... Acho que a música é... Para uni-la à pintura, é exatamente a mesma coisa. Klee disse: "O pintor não representa o visível, ele torna visível". Aí subentendem-se "as forças que não são visíveis". É a mesma coisa com o músico. Ele torna audíveis forças que não são audíveis, que não são... Ele não representa o que é audível, mas torna audível o que não o é, as forças... Ele torna audível a música da terra, ele torna audível ou a inventa. Quase como o filósofo, que torna pensáveis forças que não são pensáveis, que têm uma natureza bruta, uma natureza brutal. É essa comunhão de pequenos ritornelos com o grande ritornelo que, para mim, parece definir a música. Para mim, seria isso. Esse é o seu poder. O poder de levar para um nível cósmico. É como se as estrelas começassem a cantar uma pequena ária de sinos de vacas, uma pequena ária de pastor. É o inverso, os sinos de vacas são de repente elevados ao estado de ruído celeste ou de ruído infernal. É isso que...

CP: Mesmo assim, tenho a impressão, não sei por quê, com tudo o que você me disse e toda essa erudição musical, que o que você procura na música é algo visual. O que lhe interessa é o visual, muito mais... Entendo até que ponto o audível está ligado às forças cósmicas como o visual. Você não vai a concertos, não escuta música, mas vai a exposições ao menos uma vez por semana e tem uma prática.

GD: É questão de possibilidade e de tempo. Só posso dar uma resposta. Uma única coisa me interessa na literatura: o estilo. O estilo é algo puramente auditivo. É puramente auditivo. Eu não faria a distinção que você faz entre visual... É verdade que raramente vou a concertos, porque é mais difícil reservar um lugar. Tudo isso faz parte da vida prática. Numa galeria, numa exposição de pintura, não precisamos reservar lugar. Sempre que vou a um concerto, acho longo demais porque sou pouco receptivo, mas sempre tive emoções. Acho, mas não tenho certeza, que você está enganada. Acho que você está errada. Não é verdade. Sei que a música me proporciona emoções. Só que é ainda mais difícil. Falar de música é ainda mais difícil do que falar de pintura. É quase o ápice falar de música.

CP: Muitos filósofos falaram de música.

GD: Mas o estilo é sonoro e não visual. Nesse nível, só me interessa a sonoridade.

CP: A música está ligada à filosofia, ou seja, muitos filósofos, sem mencionar Jankélévitch, falaram sobre música.

GD: Sim, é verdade.

CP: Além de Merleau-Ponty, poucos falaram de pintura.

GD: Você acha que foram poucos? Não sei.

CP: Não tenho certeza, mas Barthes falou de música, Jankélévitch também.

GD: Ele falou bem.

CP: Foucault falou.

GD: Quem?

CP: Foucault.

GD: Foucault não falou muito de música. Era um segredo seu. Sua relação com a música era um segredo.

CP: Mas ele esteve muito ligado a músicos.

GD: Tudo isso eram segredos. Ele não falava...

CP: Sim, mas ele ia a Bayreuth, era íntimo do mundo musical, mesmo sendo um segredo. E a exceção Berg, como sugere Pierre-André...

GD: Isso me faz lembrar... Isso faz parte também... Por que você se dedica a algo? Não sei por quê. Descobri ao mesmo tempo que as peças para orquestra de... Está vendo o que é ser velho e não se lembrar dos nomes? As peças para orquestra do seu mestre.

CP: Schönberg.

GD: De Schönberg. Lembro-me de que, naquele momento, não faz tanto tempo, eu podia escutar as peças para orquestras quinze vezes seguidas. Quinze vezes seguidas, e eu conhecia os momentos que me comoviam. Foi no mesmo momento que encontrei Berg e ele me fazia... Eu podia escutá-lo o dia todo. Por quê? Acho que tinha a ver com a relação com a terra. Só fui conhecer Mahler muito depois. É a música e a terra. Retomar isso nos músicos mais antigos... A música e a terra estão muito presentes. Mas o fato de a música estar relacionada à terra na época de Berg e Mahler foi comovente para mim. Tornar sonoros os poderes da terra. Era isso, Wozzeck é, para mim, um grande texto porque é a música da terra. É uma grande obra.

CP: E os dois gritos? Você gostava dos gritos de Marie.

GD: Para mim, há uma forte relação entre o canto e o grito. Toda essa escola soube reapresentar o problema. Os dois gritos... Não me canso do grito. O grito horizontal que toca a terra em Wozzeck e o grito vertical, totalmente vertical da condessa. Era condessa ou baronesa? Não sei mais.

CP: Condessa.

GD: Da condessa em Lulu. São dois ápices do grito, mas a relação entre... Tudo isso me interessa porque, em filosofia, há cantos e gritos. Os conceitos são verdadeiros cantos em filosofia. E também há gritos na filosofia. Há gritos repentinos. Aristóteles: "É preciso parar". Ou um outro que dirá: "Nunca vou parar". Spinoza: "O que um corpo pode fazer? Nem sabemos". Esses são gritos. Mas a relação grito/canto ou conceito/afecto é parecida. Gosto disso, é algo que me toca.

15 de novembro de 1994

P de Professor

CP: Então, P é de Professor. Hoje, você tem 64 anos e, durante quase 40 anos, você foi professor, primeiro do ensino médio, depois, na universidade. Este ano é o primeiro sem aulas. Você sente falta das aulas? Você disse que dava aula com paixão. Você sente falta de dar aula hoje?

GD: Não, absolutamente. É verdade que foi a minha vida, que foi uma parte muito importante da minha vida. Eu gostava muito de dar aula, mas, quando me aposentei, foi uma alegria porque eu já não tinha tanta vontade de dar aula. A questão das aulas é muito simples. Acho que as aulas têm equivalentes em outras áreas. Uma aula é algo que é muito preparado. Parece muito com outras atividades. Se você quer 5 minutos, 10 minutos de inspiração, tem de fazer uma longa preparação. Para ter esse momento de... Se não temos... Eu vi que, quanto mais fazia isso... Sempre fiz isso, eu gostava. Eu me preparava muito para ter esses momentos de inspiração. Com o passar do tempo, percebi que precisava de uma preparação crescentemente maior para obter uma inspiração cada vez menor.

Então, estava na hora... Não me sinto privado porque gostei de dar aula, mas era algo de que eu precisava menos. Resta-me escrever, o que comporta outros problemas. Não me arrependo. Mas gostei profundamente de dar aulas.

CP: Preparar muito significava quanto tempo de preparação?

GD: Tenho de refletir. Como tudo, são ensaios. Uma aula é ensaiada. É como no teatro e nas cançonetas, há ensaios. Se não tivermos ensaiado o bastante, não estaremos inspirados. Uma aula quer dizer momentos de inspiração, senão não quer dizer nada.

CP: Você não ensaiava diante do espelho, não é?

GD: Não, cada atividade tem seus modos de inspiração. Mas não há outra palavra a não ser pôr algo na cabeça e conseguir achar interessante o que é dito. Se o orador não acha interessante o que está dizendo... Nem sempre achamos interessante o que dizemos. E não é vaidade, não é se achar interessante ou fascinante. É preciso achar a matéria da qual tratamos, a matéria que abraçamos, fascinante. Às vezes, temos de nos açoitar. Não que seja desinteressante, a questão não é essa. É necessário chegar ao ponto de falar de algo com entusiasmo. O ensaio é isso. Eu precisava menos disso. E as aulas são algo muito especial. Uma aula é um cubo, ou seja, um espaço-tempo. Muitas coisas acontecem numa aula. Nunca gostei de conferências porque se trata de um espaço-tempo pequeno demais. Uma aula é algo que se estende de uma semana a outra. É um espaço e uma temporalidade muito especiais. Há uma seqüência. Não podemos recuperar o que não conseguimos fazer. Mas há um desenvolvimento interior numa aula. E as pessoas mudam entre uma semana e outra. O público de uma aula é algo fascinante.

CP: Vamos recomeçar do início. Você lecionou primeiro no ensino médio. Você tem uma boa lembrança?

GD: Sim, mas isso não significa nada porque o ensino médio não era o que é hoje. Penso nos jovens professores que ficam desanimados. Eu lecionei no ensino médio durante a Liberação, não muito tempo depois. Era totalmente diferente.

CP: Onde?

GD: Estive em duas cidades do interior. Gostei muito de uma e menos da outra. Gostei muito de Amiens porque havia uma liberdade absoluta. Era uma cidade muito livre. Orléans era uma cidade mais severa. Ainda era a época em que o professor de filosofia era recebido com muita complacência, perdoavam-lhe muitas coisas porque ele era uma espécie de louco, de idiota da aldeia. Eu podia praticamente fazer tudo que quisesse. Eu ensinava meus alunos a tocar serrote porque eu tocava e todos achavam normal. Acho que, hoje, isso não seria mais possível...

GD: Pedagogicamente, queria explicar o quê com o serrote? Em que momento ele entrava em cena?

GD: As curvas. O serrote, como você sabe, tem de ser curvado e obtemos o som num ponto da curva. São curvas móveis que lhes interessavam muito.

CP: Já era sobre a variação infinita.

GD: Mas eu não fazia só isso. Eu seguia o currículo, era muito consciencioso.

CP: E foi aí que você conheceu Poperen?

GD: Sim, conheci bem Poperen. Ele viajava mais do que eu, ficava muito pouco em Amiens. Ele tinha uma malinha e um despertador enorme porque não gostava de relógios. Seu primeiro gesto era tirar o despertador. Ele dava aula com o despertador. Ele era encantador.

CP: E quem eram seus amigos na sala dos professores?

GD: Eu gostava muito de ginástica. Eu gostava dos professores de ginástica. Não me lembro muito bem. As salas dos professores nas escolas devem ter mudado. Era algo de...

CP: Quando alunos, imaginamos a sala dos professores como algo misterioso e solene.

GD: Não, é o momento em que... Há gente de todo tipo, solene, brincalhona, de tudo. Eu não ia muito à sala.

CP: Depois de Amiens e Orléans, você deu aulas preparatórias em Louis-le-Grand?

GD: Sim.

CP: E se lembra de bons alunos que não deram em grande coisa?

GD: Que deram ou não em grande coisa. Não me lembro bem... Sim, lembro-me deles, eles se tornaram... Pelo que sei, se tornaram professores. Nunca tive alunos que se tornaram ministros. Tive um que se tornou policial. Não, nada de especial. Eles seguem seu caminho e são gente boa.

CP: Depois, vieram os anos de Sorbonne. Parece que esses anos correspondem a anos de história da filosofia. Depois, Vincennes, que foi uma experiência determinante após a Sorbonne. Pulei Lyon depois da Sorbonne. Você ficou contente por entrar para a universidade depois de ter sido professor de ensino médio?

GD: Contente, não é bem assim nesse nível... Era uma carreira normal. Se eu tivesse voltado ao ensino médio eu teria ficado... Não teria sido dramático, anormal, uma derrota. Era normal. Não tive nenhum problema. Não tenho nada a dizer.

CP: As aulas da faculdade são preparadas de outra maneira?

GD: Para mim, não.

CP: Para você, era igual?

GD: Totalmente. Sempre preparei aulas da mesma forma.

CP: A preparação era tão intensa na escola quanto na faculdade?

GD: Certamente. É preciso estar totalmente impregnado do assunto e amar o assunto do qual falamos. Isso não acontece sozinho. É preciso ensaiar, preparar. É preciso ensaiar na própria cabeça, encontrar o ponto em que... É muito divertido, é preciso encontrar... É como uma porta que não conseguimos atravessar em qualquer posição.

CP: Já que estamos falando de sua carreira universitária, fale-me da sua tese. Quando você a defendeu?

GD: Eu a defendi... Acho que escrevi muitos livros antes para não fazê-la. É uma reação comum. Eu trabalhava muito e pensava: "Tenho de fazer minha tese. Tenho de fazer isso, que é urgente". Adiei ao máximo e, finalmente, a apresentei em... Acho que foi uma das primeiras teses defendidas depois de 68.

CP: 69?

GD: Sim, deve ter sido em 69. Foi uma das primeiras. Isso me proporcionou uma situação privilegiada porque a banca só tinha uma preocupação: evitar os bandos que ainda circulavam na Sorbonne. Eles estavam com medo. Era a volta, o início da volta. Eles se perguntavam o que ia acontecer. Lembro-me que o presidente da banca me disse: "Há duas possibilidades: ou fazemos sua tese no térreo da Sorbonne. A vantagem é que tem duas saídas. Se acontecer algo, a banca pode cair fora. O único inconveniente é que, no térreo, os bandos circulam mais facilmente. Ou então vamos para o 1º andar. A vantagem é que os bandos sobem com menos freqüência, mas o inconveniente é só ter uma entrada e uma saída. Se acontecer algo, como vamos sair?". Quando defendi minha tese, nunca vi o olhar do presidente da banca, que estava fixo na porta.

CP: Quem era?

GD: Para saber se tinha algum bando chegando.

CP: Quem foi o presidente da banca?

GD: Não vou dizer seu nome, é segredo.

CP: Posso fazer você dizer.

GD: Ele estava angustiado. E ele era muito simpático. Ele estava mais emocionado do que eu. É raro a banca estar mais emocionada do que o candidato, mas foram circunstâncias excepcionais.

CP: Você já era mais conhecido do que três quartos da banca.

GD: Não, eu não era muito conhecido.

CP: Foi Diferença e repetição?

GD: Sim.

CP: Você já era conhecido por seus trabalhos sobre Proust e Nietzsche.

Vamos falar de Vincennes, a menos que você tenha algo a dizer sobre Lyon depois da Sorbonne.

GD: Não. Vincennes foi quase... Lá houve uma mudança, você tem razão, não no que eu chamo de preparação e ensaio das aulas, nem no seu estilo, mas, a partir de Vincennes, parei de ter um público de estudantes. Esse foi o esplendor de Vincennes, a mudança. Não foi algo geral em todas as faculdades, mas em Vincennes, ao menos em filosofia, porque não era toda a universidade, havia um novo tipo de público, completamente novo, que não era mais composto de estudantes, que misturava todas as idades, pessoas de atividades muito diferentes, inclusive doentes de hospitais psiquiátricos. Era o público talvez mais variado e que encontrava uma unidade misteriosa em Vincennes. Ao mesmo tempo, o mais variado e o mais coerente em função de Vincennes. Vincennes dava uma unidade a esse público desarmônico. Para mim, era um público... Depois, deveria ter sido transferido, mas construí minha vida de professor em Vincennes. Se tivesse ido para outras faculdades, não me reconheceria. Quando ia a outra faculdade, eu parecia viajar no tempo, voltar ao século 19. Em Vincennes, eu falava na frente de pessoas que eram uma mistura de tudo, jovens pintores, pacientes psiquiátricos, músicos, drogados, jovens arquitetos, gente de muitos países. Tudo isso variava de um ano para outro. Num ano, apareciam de repente cinco ou seis australianos. No ano seguinte, não estavam mais lá. Os japoneses eram uma constante, de 15 a 20 todos os anos. Os sul-americanos, os negros, tudo isso é um público inestimável, é um público fantástico.

CP: Pela primeira vez, era dirigido aos não-filósofos. Quer dizer, essa prática...

GD: Acho que era filosofia plena, dirigida tanto a filósofos quanto a não-filósofos, exatamente como a pintura se dirige a pintores e a não-pintores. A música não se dirige necessariamente a especialistas de música. É a mesma música. É o mesmo Berg e o mesmo Beethoven que se dirigem a quem não é especialista em música e também a músicos. Para mim, a filosofia deve ser exatamente igual, dirigir-se tanto a não-filósofos quanto a filósofos, sem mudar. Quando dirigimos a filosofia a não-filósofos, não temos de simplificar. É como na música. Não simplificamos Beethoven para os não-especialistas. É a mesma coisa com a filosofia. Para mim, a filosofia sempre teve uma dupla audição: uma audição não-filosófica e uma filosófica. Se não houver as duas ao mesmo tempo, não há nada. Senão a filosofia não valeria nada.

CP: Explique uma sutileza: há não-filósofos em conferências, mas você odeia conferências.

GD: Odeio as conferências porque são artificiais e por causa do antes e do depois. Adoro aulas, é uma maneira de falar, mas odeio falar. Para mim, falar é uma atividade... E nas conferências, temos de falar antes, depois etc. Não há a pureza de uma aula. E as conferências têm um lado circense. As aulas também, mas é um circo que me faz rir e que é mais profundo. As conferências têm um lado artificial. As pessoas vão para... Nem eu sei bem por quê. O fato é que não gosto de conferências. Não gosto de dar conferências. É tenso demais, difícil, angustiante demais, não sei. Conferências não me parecem muito interessantes.

CP: Vamos voltar ao querido público variado de Vincennes. Nos anos de Vincennes, havia loucos e drogados que faziam intervenções selvagens, que tomavam a palavra. Isso parece nunca ter incomodado você. Todas as intervenções aconteciam no meio da aula, que permanecia magistral, e nenhuma intervenção tinha valor de objeção para você. Ou seja, sua aula sempre foi magistral.

GD: Sim. Precisamos inventar outro termo. O termo "aula magistral" é o usado nas universidades. Temos de buscar outro termo. Acho que existem duas concepções de aula: uma concepção segundo a qual uma aula tem como objetivo obter reações imediatas de um público sob forma de perguntas e interrupções. É uma corrente, uma concepção de aula. E há a concepção dita magistral, do professor que fala. Não é uma questão de preferência, não tenho escolha. Sempre usei a segunda, a concepção dita magistral. É preciso achar outro termo porque... Digamos que é mais uma concepção musical. Para mim, uma aula é... Não interrompemos a música, seja ela boa ou ruim. Interrompemos se ela é muito ruim. Não interrompemos a música, mas podemos muito bem interromper palavras. O que significa uma concepção musical de aula? Acho que são duas coisas, na minha experiência, sem dizer que essa é a melhor concepção. É o meu modo de ver as coisas. Conhecendo um público, o que foi meu público, penso: "Sempre tem alguém que não entende na hora. E há o que chamamos de efeito retardado". Também é como na música. Na hora, você não entende um movimento, mas, três minutos depois, aquilo se torna claro porque algo aconteceu nesse ínterim. Uma aula pode ter efeito retardado. Podemos não entender nada na hora e, dez minutos depois, tudo se esclarece. Há um efeito retroativo. Se ele já interrompeu... É por isso que as interrupções e perguntas me parecem tolas. Você pergunta porque não entende, mas basta esperar.

CP: Você achava as interrupções tolas porque ninguém esperava?

GD: Sim. Há esse primeiro aspecto. Se você não entende algo, pode ser que entenda depois. Os melhores alunos perguntam uma semana mais tarde. No final, eu tinha um sistema inventado por eles, não por mim: eles me mandavam notas sobre a semana anterior. Eu gostava muito. Eles diziam: "Temos de voltar a esse ponto". Eles haviam esperado. Eu não voltava, não fazia diferença, mas havia essa comunicação. O segundo ponto importante na minha concepção de aula... Eram aulas que duravam duas horas e meia. Ninguém consegue escutar alguém por duas horas e meia. Para mim, uma aula não tem como objetivo ser entendida totalmente. Uma aula é uma espécie de matéria em movimento. É por isso que é musical. Numa aula, cada grupo ou cada estudante pega o que lhe convém. Uma aula ruim é a que não convém a ninguém. Não podemos dizer que tudo convém a todos. As pessoas têm de esperar. Obviamente, tem alguém meio adormecido. Por que ele acorda misteriosamente no momento que lhe diz respeito? Não há uma lei que diz o que diz respeito a alguém. O assunto de seu interesse é outra coisa. Uma aula é emoção. É tanto emoção quanto inteligência. Sem emoção, não há nada, não há interesse algum. Não é uma questão de entender e ouvir tudo, mas de acordar em tempo de captar o que lhe convém pessoalmente. É por isso que um público variado é muito importante. Sentimos o deslocamento dos centros de interesse, que pulam de um para outro. Isso forma uma espécie de tecido esplêndido, uma espécie de textura.

CP: Isso quanto ao público, mas, para esse "concerto", você inventou os termos " pop filosofia" e " pop filósofo".

GD: É o que eu queria dizer.

CP: Pode-se dizer que sua figura, como a de Foucault, era muito especial, seu chapéu, suas unhas, sua voz. Você sabe que havia uma certa mitificação dessa figura por parte dos alunos. Eles mitificaram Foucault, assim como mitificaram a voz de Wahl. Você tem consciência de que tem uma figura e uma voz singulares?

GD: Sim, sem dúvida. Sem dúvida, porque a voz, numa aula... Se a filosofia, como já falamos... A filosofia mobiliza e trata de conceitos. É normal que haja a vocalização dos conceitos numa aula, assim como há um estilo de conceitos por escrito. Os filósofos não escrevem sem elaborar um estilo. São como artistas, são artistas. Uma aula implica vocalizações, implica até uma espécie de - eu falo mal alemão - Sprechgesang. Evidentemente. Há mitificações, "Viu as unhas dele?", etc. Faz parte de todos os professores. Desde o primário é assim. O mais importante é a relação entre a voz e o conceito.

CP: Mas seu chapéu era como o vestidinho preto de Piaf. Era uma postura muito precisa.

GD: Mas eu não o usava por isso. Se produzia esse efeito, ótimo.

CP: Faz parte do papel de professor?

GD: Se faz parte do papel de professor? Não. É um suplemento. O que faz parte do papel do professor é o que eu disse sobre o ensaio anterior e a inspiração. Esse é o papel do professor.

CP: Você nunca quis nem escola nem discípulos. Essa recusa de discípulos é algo muito profundo em você?

GD: Eu não os recuso. Geralmente, uma recusa é recíproca. Ninguém quer ser meu discípulo. Eu não quero ter nenhum. Uma escola é terrível por uma simples razão: consome muito tempo, nos tornamos administradores. Veja os filósofos que fazem escola. Os wittgenteinianos são uma escola. Não é uma diversão. Os heideggerianos são uma escola. Isso implica acertos de contas terríveis, exclusividades, organização do tempo, toda uma administração. Uma escola é administrada. Assisti a rivalidades entre os heideggerianos franceses, liderados por Beaufret, e os heideggerianos belgas, liderados por Develin. Foi uma briga de foice. Tudo isso é abominável. Isso não me interessa nem um pouco. Mesmo no nível das ambições, ser chefe de uma escola... Lacan era chefe de uma escola, mas é terrível, causa muitas preocupações. É preciso ser maquiavélico para lidar com tudo isso. Eu detesto tudo isso. A escola é o contrário do movimento. Dou um exemplo simples: o surrealismo é uma escola. Acerto de contas, tribunais, exclusões etc. Breton fez uma escola. Dada era um movimento. Se eu tivesse um ideal, não digo que não consegui, seria participar de um movimento. Participar de um movimento, sim. Mas ser o chefe de uma escola não me parece um destino invejável. Um movimento no qual o ideal não seja ter noções garantidas, assinadas e repetidas pelos discípulos. Para mim, duas coisas são importantes: a relação que podemos ter com os estudantes é ensinar que eles fiquem felizes com sua solidão. Eles vivem dizendo: "Um pouco de comunicação. Nós nos sentimos sós, somos todos solitários". Por isso eles querem escolas. Eles não poderão fazer nada em relação à solidão. Temos de ensinar-lhes os benefícios da sua solidão, reconciliá-los com sua solidão. Esse era o meu papel de professor. O segundo aspecto é um pouco a mesma coisa. Não quero lançar noções que façam escola. Quero lançar noções e conceitos que se tornem correntes, que se tornem não exatamente ordinárias, mas que se tornem idéias correntes, que possam ser manejadas de vários modos. Isso só é possível se eu me dirigir a solitários que vão transformar as noções ao seu modo, usá-las de acordo com suas necessidades. Tudo isso são noções de movimento, não de escola.

CP: Você acha que, na universidade hoje, a era dos grandes professores acabou?

GD: Não sei bem porque não faço mais parte disso. Saí em um momento aterrorizador. Eu não entendia como os professores podiam dar aulas. Eles tinham se tornado administradores. Quanto à universidade, a política atual é muito clara. Isso tem a ver com a adoção de disciplinas que nada têm a ver com disciplinas universitárias. Meu sonho seria que as universidades continuassem a ser locais de pesquisa e que, ao lado das universidades, se multiplicassem as escolas. Escolas técnicas, onde aprendemos Contabilidade, Informática etc. Mas a universidade só interviria na Informática e na Contabilidade no nível da pesquisa. Haveria acordos entre uma escola e uma universidade. A escola enviaria seus alunos para fazer cursos de pesquisa. A partir do momento em que admitimos na universidade matérias de escola, a universidade está acabada, não é mais um local de pesquisa. Somos cada vez mais corroídos por problemas administrativos. O número de reuniões nas universidades... Por isso não sei como os professores conseguem preparar um curso. Suponho que façam o mesmo todos os anos, ou que nem os façam mais. Talvez eu esteja enganado, tomara que sim. A tendência parece ser o desaparecimento da pesquisa, o aumento de disciplinas não inovadoras na universidade, que não são disciplinas de pesquisa. É o que chamamos de adaptação da universidade ao mercado de trabalho. Esse não é o papel da universidade, mas das escolas.

14 de novembro de 1994

Q de Questão

CP: Q de Questão. Há falsos problemas, às vezes, verdadeiros, isso já sabemos. Mas também há questões verdadeiras e falsas. A filosofia serve para propor questões e problemas e as questões são fabricadas. Como você diz, o objetivo não é tanto responder, mas livrar-se dessas questões. Livrar-se da história da filosofia é propor questões, mas aqui, numa entrevista, não fazemos questões. Não são realmente questões. Como eu e você vamos nos livrar disso? Vamos fazer uma escolha forçada? Qual é a diferença entre uma pergunta na mídia e uma pergunta em filosofia?

GD: É difícil dizer... Na mídia, na maior parte do tempo e nas conversas correntes, não há questões, não há problemas. Há interrogações. Se eu digo "Como vai você?", isso não é um problema, mesmo se você estiver mal. Se eu digo "Que horas são?", isso não é um problema. Tudo isso são interrogações. No nível da televisão habitual, mesmo em programas muito sérios, temos interrogações. "O que você acha disso?". Isso não é um problema. É uma interrogação, queremos a sua opinião. É por isso que a TV não é muito interessante, é a opinião das pessoas. Isso não me parece muito interessante. Se dizemos "Você acredita em Deus?", isso é uma interrogação. Onde estão o problema e a questão? Não existem. Se apresentássemos questões ou problemas num programa de TV... Precisaria acontecer mais. Temos Océaniques, certo, mas não é muito freqüente. Os programas políticos não discutem nenhum problema, mas poderiam fazê-lo. Poderíamos perguntar sobre a questão chinesa. Não perguntamos, convidamos especialistas da China que nos dizem coisas que nós mesmos poderíamos ter dito sem saber nada sobre a China. É surpreendente. Não faz parte de um domínio... Volto ao meu exemplo porque ele é grande: Deus. Qual é o problema ou a questão sobre Deus? Não é saber se você acredita ou não em Deus, isso não interessa muita gente. O que queremos dizer com a palavra "Deus"? O que isso quer dizer? Imagino as questões. Pode querer dizer: "Você será julgado após a morte?". Por que isso é um problema? Porque estabelece uma relação problemática entre Deus e o momento do julgamento. Deus é um juiz? Isso é uma questão. Vamos supor que nos falem de Pascal. Pascal tem um texto célebre, uma aposta: "Deus existe ou não?" Apostamos e, lendo o texto de Pascal, percebemos que não se trata bem disso. Por quê? Ele levanta uma outra questão. A questão de Pascal não é se Deus existe ou não, que também não seria uma questão muito interessante, mas sim qual é o melhor modo de existência; o modo de existência de quem acredita que Deus existe ou o modo de existência de quem não acredita? Apesar de a questão de Pascal não dizer respeito à existência ou não de Deus, ela diz respeito à existência de quem acredita ou não na existência de Deus. Pelas razões desenvolvidas por Pascal, e que são as dele, mas que são muito claras, ele acha que quem acredita que Deus existe tem uma existência melhor do que quem não acredita. É o problema pascaliano. Aí há um problema, uma questão. Mas já não é a questão de Deus. Há uma história subjacente das questões, uma transformação das questões em outras. A frase de Nietzsche: "Deus está morto". Não significa a mesma coisa que "Deus não existe". Se eu digo "Deus está morto.", a que outra questão isso remete, que não é a mesma de quando eu digo "Deus não existe."? Depois, vemos que a Nietzsche não importa se Deus está morto. É uma outra questão que ele levanta. Se Deus está morto, não há razão para o homem também não estar morto. Temos de encontrar outra coisa que não o homem. Não lhe interessa a morte de Deus, mas a chegada de outra coisa que não o homem. Essa é a arte das questões e dos problemas. Acho que pode-se fazer isto na televisão ou na mídia, mas seria um tipo de programa muito especial, é essa história subjacente dos problemas e das questões. Nas conversas correntes e na mídia, ficamos no nível das interrogações. Basta ver, não sei... Podemos citar? Sim, é póstumo. L'heure de vérité era só interrogações. "Sra. Veil, a senhora acredita na Europa?" O que quer dizer acreditar na Europa? O interessante é... Qual é o problema da Europa? Vou dizer qual é o problema da Europa, assim farei uma previsão uma vez na vida. É a mesma coisa da China atual. Todos pensam em preparar e uniformizar a Europa. Eles se perguntam como uniformizar os seguros etc. Depois, aparece na Praça da Concórdia um milhão de pessoas da Holanda, da Alemanha etc., e eles não dominam o assunto. Então, eles chamam especialistas: "Por que há holandeses na Praça da Concórdia?". "É porque fizemos...". Eles ignoraram as questões quando tinham de levantá-las. É um pouco confuso.

CP: Mas, durante anos, você leu jornal. Parece que você não lê mais jornais. Há algo no nível da imprensa para que não se levantem mais essas questões?

GD: Tenho menos tempo, sei lá.

CP: Eles o enojam?

GD: Ah, sim! Parece que aprendemos cada vez menos. Estou pronto, quero aprender coisas. Não sabemos nada, não sabemos... Como os jornais também não dizem nada... Não sei...

CP: Mas, assistindo ao telejornal... Ao assistir ao telejornal, que é o único programa que você nunca perde, você tem sempre uma questão a formular, que não foi formulada, esquecida pela mídia?

GD: Não sei. Não sei.

CP: Mas você acha que nunca as colocamos?

CP: As questões? Acho que não poderíamos colocá-las. No caso Touvier, não poderíamos propor questões. Esse é um caso recente. Touvier foi preso. Por que agora? Todo mundo pergunta por que ele foi protegido, mas todos sabem que deve ter havido algo. Ele foi o chefe do serviço de informação, devia ter informações sobre a conduta dos altos dignitários da Igreja na época da guerra. Todos sabem do que ele estava a par, mas ficou acertado que não levantaríamos questões. Isso é o que chamamos de consenso. Um consenso é o acordo, a convenção com a qual substituiremos as questões e os problemas por simples interrogações. Interrogações do tipo "Como vai você?", ou seja... "Esse convento o escondeu! Por quê?". Sabemos que essa não é a questão. Todo mundo sabe... Vou dar outro exemplo recente. Os renovadores da direita e os aparatos da direita. Todos sabem do que se trata, os jornais dizem que... Eles não dizem uma palavra. Não sei... Parece-me evidente que, entre os renovadores da direita, há um problema muito interessante. São indivíduos não particularmente jovens. Trata-se do seguinte: é uma tentativa da direita de abalar as estruturas partidárias, que ainda estão centralizadas em Paris. Eles querem uma independência das regiões. Isso é muito interessante. É muito interessante, mas ninguém insiste nesse aspecto. Eles não querem uma Europa de nações, mas de regiões, querem que uma verdadeira unidade seja regional e inter-regional e não nacional e internacional. Isso é um problema. E os socialistas, por sua vez, terão esse problema entre tendências regionalistas e tendências... Mas as estruturas partidárias, as federações de província nos sindicatos, quer dizer, nos partidos, ainda são um método antigo. Tudo é trazido a Paris e o peso é muito centralizado. Os renovadores de direita são um movimento antijacobino que a esquerda também terá. Então, eu penso: "De fato, eles deveriam falar sobre isso". Mas eles não o farão, se recusarão a falar disso. Recusarão porque estarão se expondo. Eles sempre responderão apenas a interrogações. As interrogações não são nada, são apenas conversa, não têm interesse algum. As conversas e as discussões nunca tiveram interesse algum. A TV, salvo casos excepcionais, está condenada a discussões e interrogações. Isso não vale nada. Não é nem mentiroso, é insignificante, não tem interesse algum.

CP: Sou menos otimista do que você, acho que Anne Sinclair não nota, ela acha que faz boas perguntas, que não faz interrogações.

GD: Isso é problema dela. Ela deve estar satisfeita consigo mesma. Sem dúvida, mas isso é problema dela.

CP: Você nunca aceita ir à televisão. Foucault e Serres foram. Trata-se de uma retirada à la Beckett? Você odeia a televisão? Por que você não aparece na televisão?

GD: Aqui, estou aparecendo. Minha razão para não ir é tudo o que acabei de dizer. Não tenho vontade de conversar ou discutir com as pessoas. Não suporto as interrogações. Isso não me interessa. Não suporto discussões. Discutir algo se ninguém sabe de que problema se trata... Volto à minha história sobre Deus. Trata-se da inexistência de Deus ou da morte do homem? Da inexistência de Deus, de quem acredita em Deus? Isso é muito cansativo. Cada um fala na sua vez... É a domesticidade em estado puro e com um apresentador idiota ainda por cima. Tenha piedade.

CP: O principal é que você está aqui hoje respondendo nossas interrogações.

GD: A título póstumo.

13 de novembro de 1994

R de Resistência

CP: R de Resistência e não de Religião.

GD: Sim.

CP: Como você disse recentemente numa conferência na FEMIS [École Nationale Supérieure des Métiers de l'Image e du Son], "A filosofia cria conceitos e, se criamos conceitos, resistimos". Os artistas, os cineastas, os músicos, os matemáticos, os filósofos, toda essa gente resiste. Mas resistem a que exatamente? Vamos ver caso por caso. A filosofia cria conceitos. A ciência cria conceitos?

GD: É uma questão de terminologia, Claire. Se convencionarmos usar a palavra "conceito" para a filosofia, as noções e idéias científicas terão de ser designadas por outra palavra. Não dizemos que um artista cria conceitos. Um pintor, um músico não cria conceitos, mas outra coisa. Para a ciência, teríamos de encontrar outra palavra. Um cientista é alguém que cria funções, digamos. Não digo que seja a melhor palavra. Ele cria funções. Funções também são criadas. Criar novas funções... Einstein, Gallois, os grandes matemáticos, mas não apenas matemáticos, físicos, biólogos criam funções. E o que é resistir? Criar é resistir... É mais claro para as artes. A ciência está numa posição mais ambígua, mais ou menos como o cinema. Ela está presa a problemas de programa, de capital. As partes resistem, mas... Os grandes cientistas também são uma grande resistência. Quando penso em Einstein, em muitos físicos, em muitos biólogos hoje, é claro que... Eles resistem antes de tudo ao treinamento e à opinião corrente, ou seja, a todo tipo de interrogação imbecil. Eles exigem seu... Eles têm realmente a força para exigir seu próprio ritmo. Não os faremos desistir de algo prematuramente, assim como não mudaremos um artista. Ninguém tem direito de mudar um artista. Mas acho que tudo isso, que a criação como resistência... Recentemente, li um autor que me chamou a atenção. Acho que um dos motivos da arte e do pensamento é uma certa vergonha de ser homem. Acho que o artista, o escritor, que falou mais profundamente sobre isso foi Primo Levi. Ele soube falar dessa vergonha de ser um homem num nível extremamente profundo, porque foi logo após sua volta dos campos de extermínio. Ele sobreviveu com... Ele disse: "Quando fui libertado, o que me dominava era a vergonha de ser um homem". É uma frase ao mesmo tempo esplêndida e bela e... Não é abstrata, é muito concreta a vergonha de ser um homem. Mas ela não quer dizer... Associamos muita besteira. Não quer dizer que somos todos assassinos. Não quer dizer que somos todos culpados diante do nazismo. Primo Levi diz admiravelmente que isso não significa que carrascos e vítimas são iguais. Não nos farão acreditar nisso. Muitos dizem que todos somos culpados. Nada disso, não confundamos carrascos e vítimas. A vergonha de ser homem não significa que somos todos iguais, comprometidos etc. Acho que quer dizer muitas coisas. É um sentimento complexo e não unificado. A vergonha de ser um homem significa: como alguns homens puderam fazer isso, alguns homens que não eu, como puderam fazer isso? E, em segundo lugar, como eu compactuei? Não me tornei um carrasco, mas compactuei para sobreviver. E uma certa vergonha por ter sobrevivido no lugar de alguns amigos que não sobreviveram. É um sentimento muito complexo. Acho que, na base da arte, há essa idéia ou esse sentimento muito vivo, uma certa vergonha de ser homem que faz com que a arte consista em liberar a vida que o homem aprisionou. O homem não pára de aprisionar a vida, de matar a vida. A vergonha de ser homem... O artista é quem libera uma vida potente, uma vida mais do que pessoal. Não é a vida dele.

CP: Volto ao artista e à resistência. Quer dizer que essa vergonha de ser um homem... A arte liberta a vida dessa prisão, dessa prisão de vergonha. É muito diferente da sublimação. A arte não é... É realmente uma resistência.

GD: É uma liberação da vida, uma libertação da vida. E não são coisas abstratas. O que é um grande personagem de romance? Um grande personagem de romance não é tirado da realidade e exagerado. Charlus não é Montesquieu. Não é Montesquieu exagerado pela imaginação genial de Proust. São potências de vida fantásticas. Por pior que a coisa fique, um personagem de romance integrou em si... É uma espécie de gigante. É uma espécie de gigante, uma exageração da vida. Não é uma exageração da arte. A arte é a produção dessas exagerações. Só a sua existência já é uma resistência. Ou, como dizíamos, no nosso primeiro tema, na letra A, sempre escrevemos pelos animais, ou seja, no seu lugar. Os animais não escreveriam, porque não sabem escrever. Liberar a vida das prisões que o homem.... E isso é resistir. Isso é resistir, não sei. Vemos isso claramente no que fazem os artistas. Quer dizer, não há arte que não seja uma liberação de uma força de vida. Não há arte da morte.

CP: Às vezes, a arte não basta. Primo Levi se suicidou muito tempo depois.

GD: Ele se suicidou como pessoa. Ele não pôde agüentar. Ele suicidou sua vida pessoal. Há 4 páginas, 12 ou 100 páginas de Primo Levi, que sempre serão uma resistência eterna ao que aconteceu. Quando falo de vergonha de ser um homem, não é nem no sentido grandioso de Primo Levi. Se ousamos dizer algo assim... Para cada um de nós, na nossa vida cotidiana, há acontecimentos minúsculos que nos inspiram a vergonha de ser um homem. Assistimos a uma cena na qual alguém é vulgar demais. Não vamos fazer uma cena. Ficamos incomodados por ele. Ficamos incomodados por nós porque parecemos suportar. Assumimos uma espécie de compromisso. E se protestássemos dizendo: "O que você disse é ignóbil", faríamos um drama. Estamos encurralados. Então, sentimos essa vergonha. Não se compara a Auschwitz, mas, mesmo nesse nível minúsculo, há uma pequena vergonha de ser um homem. Se não sentimos essa vergonha, não há razão para fazer arte. Não posso dizer mais do que isso.

CP: Mas, quando você cria, quando você é um artista, você sente esses perigos o tempo todo à sua volta? Há perigos por toda parte?

GD: Claro que sim. Na filosofia, também. É o que Nietzsche dizia. Uma filosofia que não prejudicasse a besteira seria... Prejudicar a besteira, resistir à besteira. E se não houvesse a filosofia? As pessoas agem como... Afinal, é bom para as conversas depois do jantar. Se não houvesse filosofia, não questionaríamos o nível da besteira. A filosofia impede que a besteira seja tão grande. Esse é seu esplendor. Não imaginamos como seria. Se não existissem as artes, a vulgaridade das pessoas seria... Quando dizemos... Criar é resistir efetivamente. O mundo não seria o que é sem a arte. As pessoas não agüentariam. Elas não estudaram filosofia, mas a simples existência da filosofia as impede de ser tão estúpidas e imbecis quanto seriam se ela não existisse.

CP: Quando se anuncia a morte do pensamento... Há quem anuncie a morte do pensamento, do cinema, da literatura. Você acha isso engraçado?

GD: Não há mortes, há assassinatos. É muito simples. Talvez assassinemos o cinema, isso é possível, mas não há morte natural. Por uma razão simples: enquanto algo não tiver e não assumir a função da filosofia, a filosofia terá razão de subsistir. Se outra coisa assumir a função da filosofia, não vejo por que essa outra coisa não seria filosofia. Se dissermos que a filosofia consiste em criar conceitos e prejudicar, impedir a imbecilidade, por que você quer que ela morra? Podemos impedi-la, censurá-la, assassiná-la, mas ela tem uma função. Ela não vai morrer. A morte da filosofia sempre me pareceu uma idéia imbecil, idiota. Não é que eu... Fico contente por ela não morrer. Nem entendo o que significa a morte da filosofia. Parece-me uma idéia um pouco débil, engraçadinha.

CP: Pueril.

GD: As coisas mudam, não há mais razão para... O que vai substituir a filosofia? O que vai criar conceitos? Podem dizer que não precisamos mais criar conceitos. E a besteira reinará. Tudo bem, os idiotas querem acabar com a filosofia. Quem vai criar conceitos? A informática? São os publicitários? Eles usam a palavra conceito. Tudo bem, teremos os conceitos publicitários, conceitos de uma marca de macarrão. Não será um grande rival para a filosofia. Acho que a palavra conceito não é usada da mesma maneira. Mas hoje é a publicidade que se apresenta como rival direto da filosofia porque eles dizem que são eles que inventam conceitos. Mas os conceitos da informática, dos computadores... O que eles chamam de conceito nos faz rir. Não devemos nos preocupar.

CP: Podemos dizer que você, Félix e Foucault formam redes de conceitos como redes de resistência, uma máquina de guerra contra um pensamento dominante e lugares-comuns.

GD: Sim, por que não? Seria bom se fosse verdade. Mas a rede é o único... Se não formarmos escolas, e as escolas não me parecem algo muito bom, só há o regime das redes, das cumplicidades. Claro, sempre foi assim em todas as épocas. O que chamamos de romantismo, por exemplo, o romantismo alemão ou em geral, é uma rede. O que chamamos de dadaísmo é uma rede. Tenho certeza de que há redes hoje em dia.

CP: Redes de resistência?

GD: Óbvio, a função da rede é resistir e criar.

CP: Você se sente célebre e clandestino? Você gosta dessa noção de clandestinidade.

GD: Gosto, mas não me sinto célebre. Não me sinto clandestino. Gostaria de ser imperceptível. Muita gente gostaria. Isso não significa que eu não o seja. Ser imperceptível é bom porque podemos... Mas essas são questões quase pessoais. O que eu quero é fazer meu trabalho, que não me perturbem e não me façam perder tempo. Ao mesmo tempo, ver pessoas. Sou como todo mundo. Gosto das pessoas, de um pequeno número de pessoas. Gosto de vê-las, mas, quando as vejo, não quero que seja um problema. Relações imperceptíveis com pessoas imperceptíveis é o que há de mais bonito no mundo. Todos nós somos moléculas. Uma molécula numa rede, uma rede molecular.

CP: Há uma estratégia da filosofia? Quando você escreve sobre Leibniz este ano, você escreve estrategicamente sobre Leibniz?

GD: Acho que depende do que "estratégia" quer dizer. Quer dizer que não escrevemos sem uma certa necessidade. Se quem escreve um livro não sente necessidade de escrevê-lo, é melhor não o fazer. Escrevi sobre Leibniz porque me era necessário. Por quê? Porque chegou o momento para mim. Demoraria demais explicar. Falar não de Leibniz, mas da dobra. A dobra, para mim, naquele momento, estava ligada a Leibniz. Eu poderia dizer de todos os meus livros qual foi a necessidade da época.

CP: Fora a necessidade que o leva a escrever, o retorno a um filósofo, à história da filosofia, após o livro sobre o cinema ou Mil platôs e O anti-Édipo...

GD: Não houve retorno a um filósofo. Minha resposta estava certa. Não escrevi sobre Leibniz. Não escrevi um livro sobre Leibniz porque, para mim, havia chegado o momento de estudar o que era uma dobra. Escrevo sobre a história da filosofia quando preciso, ou seja, quando encontro e sinto uma noção que já estava ligada a um filósofo. Quando me apaixonei pela noção de expressão, escrevi um livro sobre Spinoza porque ele foi um filósofo que elevou a noção de expressão a um ponto extremamente alto. Quando encontrei por conta própria a noção de dobra, me pareceu óbvio que seria através de Leibniz que... Também encontro noções que não são dedicadas a um filósofo... Então, não faço história da filosofia. Para mim, não há diferença entre escrever um livro de história da filosofia e escrever um livro de filosofia. É nesse sentido que digo que sigo o meu caminho.

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