18 de junho de 2007

Cultura em pedaços é febre na internet

Folha de São Paulo - Ilustrada, pág. 8
São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

Filmes, músicas, séries de TV e gibis ganham tamanho reduzido para consumo instantâneo, batizado de "snack culture'

Para pesquisador, produtos são consumidos de maneira mais dinâmica; Marcelo Tas diz que "pedaços" ajudam a decidir como gastar o tempo

DANIELA ARRAIS
ESTÊVÃO BERTONI
DA REPORTAGEM LOCAL

Nada de refrãos repetitivos e solos infindáveis. Ao sintonizar o computador na rádio Sass (www.radiosass.com), o ouvinte escuta 30 músicas em uma hora -em uma rádio tradicional, ele não ouviria mais de 12. Como? As faixas são picotadas, e os intervalos não chegam a um minuto e meio.

A rádio on-line representa uma nova forma de consumo de cultura, a "snack culture" (cultura do aperitivo, ao pé da letra). Em boa parte graças à internet, o entretenimento instantâneo vem tomando forma com a proliferação de pequenas doses de diversão.

O termo, difundido pela revista "Wired", especializada em tecnologia, inclui de "snacktones" (músicas de dez a 30 segundos compostas especialmente para tocar em celulares) e minigibis a filmes de ginástica com menos de dois minutos (para serem assistidos pelo iPod na academia) e versões reduzidas de clássicos do cinema, como "Pulp Fiction" (1994), de Quentin Tarantino.

"A gente vive em uma época em que a velocidade é supervalorizada. Buscamos uma internet mais veloz, dirigimos mais rápido, comemos fast-food. Queremos mais estímulo do que antes", diz o DJ George Gimarc, idealizador da rádio Sass.

Tanta sede pelo entretenimento instantâneo é conseqüência da sociedade de consumo, segundo Gabriela Borges, professora de ciências da comunicação da Universidade do Algarve, em Portugal. "Os produtos culturais são feitos para serem rapidamente consumidos a fim de que novos sejam produzidos", afirma.

Já o jornalista, apresentador e diretor de TV Marcelo Tas diz acreditar que a instantaneidade causada pela revolução digital tem efeitos mais amplos. "A febre não atinge só o entretenimento, mas a informação, a comunicação e até a vida afetiva."

Para Tas, a "snack culture" funciona como "um índice para o internauta decidir onde vai gastar seu tempo".

"Ele [consumidor] tem o poder de decisão na mão. Pesquisa preços antes de comprar, zapeia pelos diversos canais de informação e entretenimento antes de decidir onde vai investir sua atenção", diz.

O músico Gustavo Mini Bittencourt, da banda gaúcha Walverdes, também ressalta o papel do consumidor. "O fã é cada vez mais editor da obra do artista. Tem tanto o cara que curte ver o filme inteiro quanto o que assiste só a trailers. No meio, tem o cara que gosta de "mashupar" [misturar obras diferentes para obter um novo resultado] trailers."

Benefícios
Criador da rádio Sass, Gimarc diz que as versões enxutas das músicas trazem benefícios para músicos e gravadoras. "Se a minha rádio toca duas vezes mais do que as outras estações, ela venderá o dobro."

Na mesma sintonia, Steve Ellis, fundador do programa de licenciamento on-line de música independente Pump Audio (www.pumpaudio.com), afirma enxergar na "snack culture" uma grande possibilidade de fazer negócios.

Só em 2006, o Pump Audio, que vende trechos de músicas para programas de TV, filmes, sites e jogos de videogame desde 2001, pagou US$ 125 mil (cerca de R$ 241 mil) a artistas independentes por suas obras.

Superficialidade
O aumento na diversidade de produtos culturais é um dos pontos positivos da "snack culture", como aponta Borges. Mas ela alerta: "A superficialidade e a instantaneidade fazem com que não haja tempo para uma maior reflexão sobre o que está sendo consumido".

Para Hudson Moura, editor da revista Intermídias (www.intermidias.com) e pesquisador do Centro de Estudos da Oralidade da PUC-SP, mesmo que o produto picotado deixe de ser o mesmo, pode ter caráter permanente. "Esses produtos podem ser consumidos de uma maneira muito mais dinâmica e ter uma vida duradoura e prolongada."

Disponível no site YouTube, a versão reduzida de "Pulp Fiction", com menos de dois minutos, aumenta a vida útil e o interesse pelo filme, segundo Marcelo Tas. "A versão curta mostra que o filme, lançado no distante 1994, continua atiçando o imaginário da molecada. É uma prova da atenção e respeito dos fãs."

O músico Bittencourt reconhece uma possível superficialidade, mas não a vê com tanto pessimismo. "Cabe olhar pra isso com atenção e curiosidade, e não com uma atitude ranzinza do tipo "hoje em dia é tudo mais superficial'", diz.


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1706200718.htm

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