8 de outubro de 2007

Rãs e Batuques: cineasta americano Jason Kohn Manda Bala na alegorização da violência no Brasil

A primeira impressão que temos após assistir o filme Manda Bala (Send a Bullet) é de que foi realizado por um estrangeiro. No entanto, Jason Kohn (foto ao lado), 28 anos, apesar de se considerar como um judeu Nova Iorquino, é filho de brasileira com argentino, este último morador de São Paulo há mais de sete anos. Falar português, ele não fala, preferiu dar esta entrevista em inglês, apesar de compreender um pouco a língua natal de sua mãe. Manda Bala é seu primeiro filme e levou cinco anos para ser concluído. Antes ele havia trabalhado com o famoso documentarista americano Errol Morris (The Thin Blue Line) conhecido por ter adotado certas técnicas da narrativa ficcional no documentário, tornando-o assim tão atraente e enigmático quanto um filme de entretenimento. Aliás, este um dos objetivos de Manda Bala, admitiu o diretor numa conversa com a platéia após a exibição de seu filme nos Estados Unidos.

Mas, o que incomoda em Manda Bala é o seu tom irônico e a sua abundância de clichês sobre a terra brasilis e suas contradições. Na visão de Kohn, todos os males sociais brasileiros são facilmente explicados, e ele mostra o porquê de tanta violência urbana e segregação social: a corrupção política, que se tornou parte da cultura local. Um problema, segundo ele, negligenciado pelo povo e por uma sociedade injusta e mal discutido na mídia e no cinema nacional.

E, como a corrupção integra a cultura brasileira, a “culpa” é de toda a nação e não somente dos políticos e governantes. Nesta roleta russa ninguém escapa na visão do diretor e tudo pode se tornar alvo à ironia e ao sarcasmo. A alegoria no filme vem através da música, principalmente sambas-exaltação e batucadas à la Jorge Ben dos anos 60 e 70, que em descompasso com as imagens gera um segundo discurso. Este muitas vezes é ainda mais provocador e crítico sobre os fatos narrados.

Tudo é potencializado por um “tom” que o próprio diretor me definiu como “impressionista”. Para tal Kohn utiliza uma imagem ímpar de um escândalo envolvendo o senador Jader Barbalho: um ranário. A criação de rãs se torna ponto de referência e análise da situação brasileira. Como um país miserável e atrasado como o Brasil, pode se tornar num dos maiores exportadores de rãs do mundo? Um animal sui generis, que se transforma prato exótico nos restaurantes do primeiro mundo e, que é capaz de comer a própria espécie na falta de alimentação. De um escândalo à outro, ou de uma contradição à outra, o diretor remete à exploração política à pobreza das periferias e à geração de uma das maiores indústrias de seqüestros do mundo. Que por sua vez, gera um dos mais renomados cirurgiões plásticos, especializado em reconstituição de orelhas. Um órgão comumente alvo da violência dos seqüestradores nos pedidos de resgate junto aos familiares das vítimas.

Assim, tudo se torna muito simples e compreensível nas argumentações do filme de Kohn, como um efeito de causa e conseqüência. Não existe nenhum tipo de questionamento e reflexão sociológica, antropológica ou filosófica sobre a situação brasileira mas sim um raciocínio pragmático e cartesiano. Kohn entrevistou uma série de personagens da sociedade brasileira: um executivo de São Paulo, usando pseudônimo e completamente disfarçado, que admite ter colocado dois chips rastreadores de duas companhias de seguro diferentes em seu corpo e ter gasto na blindagem de seu carro de esporte de alto luxo um terço do valor do mesmo; um seqüestrador da periferia paulistana que admite ter seqüestrado, mutilado e matado um sem número de pessoas e que se responsabiliza pela segurança e bem-estar dos moradores da favela; um cirurgião plástico ao lado de sua piscina; uma carioca que conta os horrores de seu seqüestro e a reconstrução de sua orelha; um criador de rãs; um policial da equipe anti-seqüestro; o advogado geral da República e ainda Jader Barbalho que fala de sua dedicação ao povo paraense.

Todas as entrevistas tem uma particularidade, a maioria dos entrevistados aparecem sempre ao lado de seus respectivos tradutores (veja foto ao lado), já que o diretor conduz as entrevistas atrás da câmera em inglês. Esta técnica, segundo o diretor, tem a principal função de evitar as legendas para o público americano, já que ao invés de ouvir apenas em português, eles podem facilmente entender as respostas diretamente traduzidas para o inglês. No entanto, ele substitui em muitos momentos a voz dos entrevistados pela voz dos tradutores o que aumenta ainda mais o distanciamento e desengajamento do filme com o assunto tratado.

No filme não faltam ainda imagens contundes e fortes de revirar o estômago de qualquer mortal, como uma orelha sendo decepada por um seqüestrador, vítimas sendo torturadas em cativeiros, rãs engolindo umas às outras, cirurgião reconstruindo uma orelha. E o que é mais impressionante são as crianças pobres nas ruas do bairro Jaderlândia da periferia de Belém, que se divertem imitando seqüestradores cortando as orelhas de seus seqüestrados. Ironia do destino ou pura coincidência “jornalística” do momento presente? Nada disso, Kohn admite ter pedido às crianças para fazer a mímica da violência.

O filme ganhou dois prêmios num dos festivais mais conceituados do cinema independente, o Sundance, organizado pelo ator Robert Redford: grande prêmio do júri e melhor fotografia (cineasta paranaense Heloísa Passos). Atualmente está em cartaz em algumas salas americanas e participa de vários festivais de cinema como Roma e Vancouver.
No início do filme a primeira imagem é de uma cartela dizendo que o filme não pode ser visto no Brasil. O espectador se prepara para o pior e pode se perguntar: “Que país anti-democrático é este onde a censura ainda persiste?” Nas explicações do diretor, o filme recebeu ameaças de processo na justiça por parte de um dos entrevistados (que o diretor não quer revelar o nome) caso este seja apresentado em solo brasileiro e os produtores não tem dinheiro para arcar com os custos de uma possível defesa judicial. Alegação impressionante visto a qualidade técnica empregada na produção, onde inclusive cada entrevistado tem ao seu dispor um tradutor diferente.

Ao término da projeção do filme, o espectador pode se perguntar: “Afinal quem poderia censurar este filme e com que argumento, já que todas as entrevistas foram concedidas de comum acordo, mesmo a do senador Barbalho, que aliás este não revela absolutamente nada a não ser dos seus benfeitos políticos?” A maioria das imagens e informações sobre os escândalos envolvendo o senador apresentadas no filme de Kohn foram extraídas de jornais e televisões brasileiras. Ou Manda Bala é oportunista ou falta com a “ética-social”, aquela do tato e do cuidado ao lidar com temas polêmicos e delicados de uma sociedade estrangeira. Aliás, um cuidado que todo documentarista deve ter quando mira sua câmera para uma realidade qualquer.

Hudson Moura

Manda Bala (Send a Bullet) (EUA, 2007)
Dir. Jason Kohn

7 comentários:

della-porther disse...

um texto muito pertinente.
o Brasil vive o momento de mostrar feridas abertas.


della-porther

airtonshinto disse...

Que filme brasileiro teve a melhor direção de fotografia em 2007?

Os indicados são:

BAIXIO DAS BESTAS, direção de fotografia de Walter Carvalho

MUTUM, direção de fotografia de Mauro Pinheiro Jr.

A VIA LÁCTEA, direção de fotografia de Kátia Coelho

Vote já!

Intermídias disse...

Leia post sobre o filme Manda Bala no ótimo blog dedicado exclusivamente aos documentários, DocBlog do jornalista Carlos Alberto Mattos: Onde andará "Manda Bala"? [ http://oglobo.globo.com/blogs/docblog/post.asp?t=onde_andara_manda_bala&cod_Post=76484&a=74 ]

Abraços e aproveito para agradecer ao Carlos Alberto pelo elogio,
HM

Anônimo disse...

Assisti ao Filme “manda bala”, ontem a noite. E realmente, fiquei muito intrigado, principalmente ao ler estes comentarios de brasileiros sobre o filme na net em Portugues. E incrivel como criminalidade e corrupcao sempre foi a marca registrada dos Paises da America Latina, principalmente na opniao publica e midia Americana. E sem duvida nenhuma esse Filme , que esta sendo apresentado aqui como " Um Documentario sobre o Brasil Moderno" , realmente so vem a alimentar essa imagem de horror que muita gente tem em relacao ao BR , sendo que a maior parte dessas pessoas nao acompanham se quer as noticias locais das cidades onde moram aqui nos EUA.
Nao existem muitas cidades como Sao Paulo ao redor do Mundo. Cidades como estas atraem a atencao das pessoas por seu Exotismo, dinamica social, belezas e aberracoes. A Violencia e inerente a forma como nos organizamos enquanto sociedade, e a sua diminuicao ou ate extincao e um processo longo assim como foi o seu surgimento.
Os Filmes Brasileiros teem se popularizado pela competencia artistica das suas equipes, pela coragem dos seus produtores, e pela complexa condicao social do Pais.
Apois assistir "Manda Bala" , foi inevitavel um sentimento profundo de decepicao em relacao ao Filme, principalmente a sua proposta. Nao Ha uma linha de pensamento ou Ideia, ou se quer uma razao para existir se nao a de atrair a atencao do publico americano para senas de miseria, crueldade, corrupcao, humilhacao no Brasil.
Seria interessante, um Brasileiro vir para os EUA, investigar casos de corrupcao no Governo, tentar descobrir onde foram parar os 18 bilhoes de dolares que sumiram na "reconstrucao do Iraq" o que aconteceu com o dinheiro para reconstrucao de Escolas, Hospitais e Vilas no Afeganistao que ainda se encontram em ruinas e povo nem agua tem para beber. Entrevistar Policias nas cidades de Chicago, Nova York, e usar Imagens de crimes brutais que acontecem diariamente nestas cidades. Os abusos sexuas a criancas de todas as idades, as Colonias Momons e usas mulheres escravas, Invadir a solidao das pessoas que vivem por aqui , trancadas em casa com 20 , 30 gatos. Os jovens que invadem escolas, igrejas armados matando uns aos outros , e apresentar isso como A Realidade dos EUA Moderno...nao existe sociedade sem violencia.
Realmente fiquei confuso , porque que nosso pais mesmo apresentando maravilhas para o Mundo em varias areas, tem sempre que ser apresentado e julgado pelo lado dos seus problemas e desacertos apenas. Vivendo aqui nos EUA por 6 anos, nunca vi uma materia positiva em relacao a nenhum Pais na America do Sul e/ou Central . Os Brasileiros tem o Abito de adorar os EUA, enquanto os Americanos acreditam na sua superioridade. E isso foi evidente na Producao e Arrogancia do Diretor Jason , no seu filme Manda Bala.
Porque a ansiedade de se assistior a uma producao Americana, que vence premios em um festival Americano mostrando a miseria em imagens Bizarras, sem apresentar nenhum comprometimento com a realidade dessas pessoas, nem se quer uma opiniao critica. Apenas o desejo de "Fazer Filme" . Esta producao mediocre esta ao Lado de Producoes Belissimas como Central do Brasil, Tropa de elite, Cidade de Deus... com o titulo de Documentario Brasileiro.
Existe um comprometimento social em cada profissao, e tenho muita admiracao pelo impacto e importancia dos produtores de Documentarios. Todo Artista tem um compromisso Etico com sua Arte , e acredito que esta compreencao vem se perdendo , ou ja se perdeu a muito tempo, pricipalmente na industria Americana.
Para os brasileiros que realmente se propoem a construcao de uma sociedade menos desigual, menos violenta , menos corrupta , com mais comprometimento e educacao social, E fundamental uma sensibilidade maior em relacao as causas da Pobresa, e quem somos, cada um de nos neste processo. Realmente eu nao gostaria de ser o Diretor Americano, que sai pelo mundo a fora apresentando imagens montadas no intuito do desconforto, do medo, do Bizarro, como um documentario sobre a vida e caracteristicas socias de uma nacao do tamanho que e o Brasil. Sua grandeza, complexidade, Beleza e desafios.
Andei lendo os comentarios do publico Americano. coisas como " ...O Documentario e muito bom. Nunca vou visitar o Brasil. Ainda bem que moro num Pais de primeiro mundo..." "... mas porque que as familias nao pagam o resgate, se depois e ainda mais caro para fazer uma cirurgia plastica..." "... Nunca vou ir ao Brasil, nem comer Sapo..." , a lista e interminavel.
Essa e a industria cinematografica da miseria. Intelectual ficando Rico com os problemas sociais.
E evidente a minipulacao de imagem e a pobre traducao dos dialogos o que amplifica a imagem de terror que o Diretor tenta transmitir com o Manda Bala, nao vejo nade de positivo e respeitavel nisso. O filme comeca com os dizeres " esse filme nao pode ser mostrado no Brasil " sem explicar o porque... a sensura na midia Americana e tao grande , que chega a ser piada. As grandes corporacoes tem total controle deste Pais, talvez por isso O Jovem Diretor preferiu o Brasil para realizar sua primeira obra.

Anônimo disse...

O que me incomoda profundamente neste documentário é a audácia de Jason Kohn em tentar explicar um país extremamente complexo de maneira tão simplista. E ainda por cima tentar fazer isso de modo irônico. Acho que se ele tentasse fazer um doc sobre só uma das dezenas de coisas que tentou aordar, talvez fosse bem sucedido.

Acho até digna as passagens sobre Jader Barbalho, mas os trechos que tratam de violência chegaram até a me irritar, já que ele passa uma idéia de que sequestros, cortes de orelhas, etc, tornaram-se rotina. E não, houve redução no número de sequestros no país de 2002 a 2005.

Além de se utilizar de idéias já hoje superadas, como a questão da origem da pobreza do Sul/Sudeste por causa da imigração N/Ne.

[Parábens pelo texto. Vou passar mais por aqui...]

Intermídias disse...

Obrigado Edson. Volte sempre e nos envie seus comentários sobre outros filmes que tenha visto. abraços, Hudson

Gringo Nao Sabe Nada disse...

irritante, chato e de dar desgosto o filme manda bala. Entretanto, consegue-se produzir a tal pelicula porque existem as meia verdades e meia mentiras que ele explora. Desde o inicio do filme ha muita manipulacao de sentimentos e apelos baratos. O diretor mostra que embora pode ter uma ideia que tenha certa base, ou seja, existe violencia, pobreza e corrupcao no Brasil, ele nao tem a maturidade e a experiencia de investigar e apresentar suas ideias de uma forma madura e honesta.

Eu pessoalmente nao daria premio nemhum para o filme embora a filmagen e competente.

Gringo nao sabe nada! o nome do meu
blog que ate aplica no caso do Jason

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