31 de março de 2007

ARTIGOS E TCCs DA GRADUAÇÃO NO BLOG INTERMÍDIAS

Nós estamos recebendo textos para publicação. Mandem suas monografias ou resumos de TCCs, podem ser tanto textos acadêmicos quanto resenhas, análises e críticas de livros, obras artísticas ou filmes.

Quantos aos textos acadêmicos vamos dar preferência aos textos provindos dos TCCs (Trabalhos de Conclusão de Curso) da graduação e, ainda, aos textos monográficos produzidos durante os cursos de especialização.

A idéia é abrir um canal para a publicação de jovens profissionais e pesquisadores iniciantes. A produção monográfica das universidades brasileiras, produzida no período da graduação e início da pós-graduação, é cada vez crescente e importante quanto a variedade e dinamicidade de suas propostas. Apesar destas pesquisas serem iniciantes, elas têm a marca da qualidade, ousadia e criatividade inerentes à juventude que as produzem. No entanto, falta um meio democrático e dinâmico para colocarmos toda esta produção intelectual à serviço da comunidade. Esta uma das metas cruciais para a democratização do conhecimento nas universidades brasileiras.

O Blog Intermídias vem assim suprir uma carência dos jovens pesquisadores e novos profissionais preocupados com a qualidade, modernidade, ética e desenvolvimento de suas novas profissões e áreas de trabalho. Os textos devem enfocar/priorizar a mídia e/ou cultura podendo estas se situarem nas suas mais variadas vertentes e fronteiras. As quatro grandes áreas são comunicação, artes, cinema e literatura, e ainda acrescentamos as novas tecnologias e gostaríamos também de trazer para o debate os novos desafios ecológicos e os deslocamentos de populações.

Os textos devem ser enviados no formato Word, fonte Verdana, corpo 12, interlinha 1,5. Os textos devem ter no máximo 15 páginas (ou 30mil caracteres espaços incluídos). Evitem notas de rodapé, priorizem o formato de citação no interior do texto (Autor, Ano, Página). Fotos para exemplificação são bem aceitas e devem ser enviadas mensagem à parte. Caso o texto seja parte de um TCC, favor incluir o nome do professor orientador e a instituição. A preferência será dada aos textos que nunca tenham sidos publicados na web, assim favor informar sobre o ineditismo do texto.

Veja aqui as normas de publicação padrão da revista Intermídias, estas podem ajudá-lo a formatar o seu texto.

Aguardamos sua contribuição. Enquanto isto, confira abaixo a rica e contundente pesquisa de Gina Emanuela Carvalho sobre blogs e anorexia. Uma assunto prá lá de atual e alarmante.
Boa leitura,
Hudson Moura
Revista Intermídias (INSS 1807-8001)

Blogs Pró-Anorexia



Gina Emanuela Carvalho
ginaemanuela(arrobas)hotmail.com



Artigo inédito, publicado no Blog Intermídias no dia 31 de março de 2007. Todos os direitos reservados.
{Referência para citação deste texto: Carvalho, Gina Emanuela. "Blogs Pró-anorexia". In: Blog Intermídias, 31/03/2007, [http://intermidias.blogspot.com/2007/03/blogs-pr-anorexia.html] data de acesso: }.


Resumo
O presente trabalho desenvolve uma análise acerca dos webblogs pró-anorexia. Através da análise buscamos identificar nos blogs aspectos favoráveis à magreza espetacularizada pela mídia atualmente. Primeiramente discorremos sobre as influências da mídia no imaginário. Num segundo momento fizemos uma breve explanação psicológica sobre a anorexia nervosa no intuito de por em questão os preconceitos que geralmente ligam as causas deste transtorno à mídia. Damos ainda uma necessária explicação sobre o conceito de blog e levantamos alguns aspectos relacionados que foram essenciais para a pesquisa. Notamos, nos conteúdos dos blogs estudados, um enfoque à magreza através da veiculação voluntária de imagens de “artistas” magras. Concluímos que nos blogs pró-anorexia as autoras utilizam as imagens de mulheres magras e famosas como justificativa para sua doentia busca pela magreza.

Palavras chave: anorexia, blogs, magreza, beleza, mídia.


Índice

Introdução
1. A magreza na mídia e no imaginário feminino
2. Anorexia Nervosa
3. Blogs
4. Blogs Pró-anorexia pesquisados
5. Resultados e Discussões
6. Conclusão
7. Referências Bibliográficas


Introdução

1. A magreza na mídia e no imaginário feminino

No mundo globalizado atual, às vezes tem-se a impressão da existência de um corpo padrão que seria o melhor para todas as mulheres: o corpo magro. Dunker e Phillipy (2000) observam que a sociedade atual faz da obesidade uma condição estigmatizada e rejeitada, ao passo que valoriza a magreza como atrativa. Através da afirmação dos autores podemos perceber o lugar privilegiado que a imagem magra ocupa atualmente no imaginário social. Entendendo imaginário aqui como sendo a base dos processos mentais e o mais importante elemento qualitativo da personalidade do indivíduo (LAPIERRE, 1995).

A comunicação de massa é grande detentora de poder simbólico e seria impossível qualquer abordagem sobre o imaginário popular urbano que não passasse por ela. Através deste poder de dar visibilidade a algo e atribuir significados persuasivos quando convém, a Mídia acaba funcionando como formadora de opinião. Baudrillard (1995) chega a colocar que esta funciona muitas vezes até como 'tábua de salvação' para os espectadores inseridos na sociedade de consumo. E isto vale também quando pomos em foco a questão da magreza, em especial da magreza feminina.

Amorin (2001) defende que vivemos em uma sociedade ancorada na valorização da imagem. A mídia tem muita importância na instituição de uma imagem corporal magra dotada de valor na sociedade atual. Tal imagem circula onipresente na cultura midiática. O autor considera nefasta a apropriação do corpo pela mídia e seu esforço por padronizá-lo, como foi feio com grandes temas do imaginário. Essa proliferação de imagens de mulheres magras na mídia, geralmente associadas à riqueza é a gênese de sua inserção no imaginário feminino.

Em outra pesquisa por nós realizada constatamos que nas capas da revista Veja, pelo menos nos últimos seis anos, há um recorrente destaque à figura feminina magra. Identificamos ainda que tal imagem apresenta-se quase sempre vinculada a valores sociais almejados, dentre eles, riqueza, beleza, fama, inteligência e saúde. A associação da figura feminina magra a estes valores faz dela uma imagem detentora de poder e status social e transforma a magreza numa ideologia a ser seguida (PINHEIRO e MACIEL, 2004).

É importante notar que o imaginário padrão circulante na mídia acaba por influenciar em algum grau, muitas vezes em grau elevado, o imaginário social. Amorin (2001) relata que em pesquisa veiculada na Revista Veja, no ano de 1995, 90% das mulheres relevaram-se insatisfeitas com seu rosto ou com seu corpo. Segundo este autor a preocupação crescente com o corpo é a “influência de uma sociedade que há pelo menos um século vem instituindo um imaginário corporal simbolizado na magreza”.

Esta influência de um imaginário estereotipado pode acabar culminando em uma subjetividade homogênea que reforça os discursos dominantes que estabelecem as discrepâncias sociais. Gomes (2000) reconhece a mídia como um lugar de propagação de saberes e de influência sobre as identidades dos espectadores, muitas vezes independentes de suas escolhas. Para ele, na medida em que é também construtora e propagadora de imaginários, a mídia serve de referencial para a produção das identidades” (Gomes, 2000: 3).

Porém referencial não é um modelo proposto e não algo imposto. Há a possibilidade de escolha de aderir ou não ao padrão magro. Ainda assim é surpreendente o terror feminino diante da gordura. Torna-se mais espantoso se pensarmos nas conquistas femininas. Porque será que muitas mulheres tornam a busca pela magreza, em algum grau, uma constante em sua vida; fogem da gordura e se submetem, sem muito questionar, à magreza que é alardeada e glamourizada na mídia?

Devemos entender que além da mídia há outros fatores que interferem na aceitação e busca desta imagem magra por grande parte das mulheres. Dentre eles o status social que esta imagem representa, fato este que ajuda-nos a entender a afirmação de Queiroz (2000) ao dizer que a magreza é mais valorizada nas camadas superiores e mais almejada por mulheres e jovens dessas classes. Um outro aspecto relevante é a forma como as mulheres são criadas e educadas. Segundo Buckroyd,

.... a educação social das mulheres, dentro e fora da família, solapa desde o começo a auto confiança e o sentido de si mesmas. Assim, estão sempre lutando contra um profundo sentimento de insegurança e dúvida em relação ao próprio ser (p. 81).


Buckroyd afirma ainda que apesar de continuarem sendo criadas de maneira tradicional, ao chegarem à idade adulta exige-se que elas tenham um desempenho no mundo, “mas seus recursos emocionais não são adequados para administrar tais exigências”. Mirar-se num corpo padrão bem aceito e tentar adequar-se a ele é muitas vezes uma forma de tentar reduzir as inseguranças e garantir o reconhecimento e a aceitação do outro. As jovens, em especial, sentem-se bastante inseguras quanto a sua capacidade de ser aceitas. Muitas consideram que engordar está entre as piores coisas que pode lhes acontecer. Nesse período de mudanças e cobranças internas e externas, quanto mais próxima sua aparência estiver da mais socialmente reconhecida, melhor.

Expostas a tantos corpos magros na presente Era da Imagem, envoltas em crises pessoais e sociais tendem a aceitar com mais complacência as imagens magras que perseguem seus olhos e lhes prometem conforto. Apesar da liberdade adquirida a partir da revolução feminina. Sobre esta questão Baudrillard (1995) coloca que:

.... à medida que a mulher se liberta, se confunde cada vez mais com o próprio corpo. Esta beleza imperativa, universal e democrática, inscrita como direito e dever de todos no frontão da sociedade de consumo, manifesta-se indissociável da magreza (p. 146).

Todo o exposto acima mostra as possíveis causas que tornam as mulheres suscetíveis o suficiente para permitir que a mídia atue com maior liberdade em seu imaginário. Atraídas pelos valores que a mídia atribui à imagem magra em nossa sociedade, se vêem sempre em voltas a dietas, exercícios, espelhos. Buscam identidade e querem reconhecer-se através de uma imagem colocada como poderosa. A ideologia magra parece soar-lhes mais forte e por vezes já não é suficiente ser saudável. O culto ao corpo magro é evidente. As relações inimigas com a comida e a luta contínua para fazer desaparecer seu próprio corpo, se convergirem com outros fatores ainda mais remotos e complexos, podem vir a despertar e/ou sustentar problemas mais sérios, dentre eles o desenvolvimento da Anorexia Nervosa, como veremos no tópico seguinte.


2. Anorexia Nervosa

A anorexia nervosa é um transtorno alimentar considerado pelos médicos como sendo uma doença psiquiátrica com fortes tendências ao perfeccionismo doentio. Caracteriza-se por uma restrição dietética auto-imposta, com um padrão alimentar bizarro e acentuada perda de peso, que está associada a um temor intenso de engordar e à má percepção corporal (DUNKER e PHILIPPY, 2003). Segundo Gomes (1990):

A anorexia nervosa é definida por uma tríada sintosomática compreendendo restrição alimentar, emagrecimento e amenorréria (ausência de menstruação). As limitações são auto impostas e o comportamento é dirigido à perda de peso, havendo intenso medo do ganho ponderal e recusa à manutenção de um mínimo para a idade e altura. A síndrome caracteriza-se por padrões peculiares de lidar com a alimentação, indução de vômitos e/ou diarréia com o intuito de diminuir a absorção alimentar, hiperatividade, constipação (proporcional à restrição alimentar) e distúrbios na imagem corporal (p. 12 ).

Este transtorno é predominante feminino. Mulheres respondem por cerca de 90% dos casos. São, na maioria das vezes, adolescentes e mulheres jovens. O número de casos da doença tem aumentado consideravelmente nos últimos anos. Machado (2001) relata que hoje se verifica uma tendência para o aparecimento da doença inclusive em pré-adolescentes e mulheres mais velhas, o que era uma raridade antigamente. De acordo com as pesquisas relatadas, 10% delas chegam a morrer devido aos efeitos da má nutrição ou porque se suicidam. Quanto à incidência da doença, Verano (2000) fornece os seguintes dados:

Nos Estados Unidos, calcula-se que uma em cada 100 meninas seja anoréxica. No Brasil, a proporção é de uma para 250. Na Argentina, onde esse tipo de doença atingiu níveis epidêmicos, são dez em cada 100 (p. 76).

Geralmente são mulheres inteligentes, egocêntricas, introvertidas, geniosas, perfeccionistas e sensíveis; das classes mais abastadas da sociedade (GOMES, 1990: 14 –15) que tiveram dificuldade de lidar com sentimentos na tenra infância. Segundo Buckroyd (2000), estas pessoas precisaram desenvolver um quadro de anorexia nervosa para resolver um conflito interno. Só que, como este conflito está procurando ser resolvido fora do tempo, depois de ter sido reprimido e bruscamente despertado, ele manifesta-se sob a forma de uma doença psíquica. Nas palavras da autora “a anorexia e bulimia têm um sentido e um propósito na vida do indivíduo, e este sentido é reforçado por influências culturais mais amplas” (p. 12).

A doença começa de maneira leve, por vezes até amigável, podendo confundir-se com uma simples dieta, até adquirir um caráter cada vez mais obsessivo. Leva cerca de 15 meses para instalar-se por completo, podendo durar vários anos. No evoluir da doença, a garota que apresenta um quadro de anorexia, vai pouco a pouco se isolando do contato social até restringir-se a seu mundinho; passando a viver no “Planeta Anorexia” (BUCKROYD, 2000).

De acordo com Buckroyd (2000) o ponto chave que diferencia uma garota com potencial anoréxico de outra que faz dieta é o fato de que para a anoréxica a dieta não é muito difícil de seguir e o fato de ela parecer gostar da sensação de fome. Ela age como se tivesse descoberto em si uma capacidade especial (controlar-se) e se agarra àquilo. Porém, para uma pessoa que apresenta um quadro de anorexia nervosa, na maioria das vezes as coisas não estão tão claras como estamos colocando aqui. A necessidade de controle é praticamente incontrolável e a pessoa tenta encontrar justificativas externas (nunca internas, pois a doença ‘precisou ser’ desenvolvida justamente por essa incapacidade de lidar bem com os próprios sentimentos, não olhar para si). Desta forma, a anoréxica é conduzida a vivenciar uma tentação pela necessidade de sentir-se vitoriosa ao vencê-la. Necessitam ficar atentas, concentradas, obcecadas. O lugar das preocupações com os sentimentos é ocupado pelas preocupações com os alimentos, as calorias, o peso, a silhueta. É preciso pensar o tempo inteiro nisso para não perder o controle. Segundo Buckroyd (2000), o que havia começado como controle, torna-se fora do controle. Neste estágio a doença domina e faz da anoréxica sua escrava:
... por mais centrais que sejam as idéias de peso, silhueta e tamanho, existe um conceito ainda mais poderoso para a anoréxica: a idéia de controle. Esse controle é, antes de tudo exercido sobre o alimento, mas em muitas anoréxicas também se estende para outras áreas de sua vida (p. 27).
As causas que levam uma garota a desenvolver um quadro de anorexia nervosa são muitas. Ainda segundo Buckroyd (2000), “pode haver um elemento genético, há certamente um elemento neuroquímico biológico. E há a questão sociocultural” (p.55). A confluência de diversos fatores é que desemboca na manifestação desta patologia. Alguns fatores, os mais remotos, funcionam como uma forma de pré-requisito para que os outros possam levar a pessoa para a doença.

No entanto nem sempre a doença foi encarada desta maneira. Já lhe foram atribuídas causas orgânicas principalmente pelos efeitos decorrentes da subnutrição. Ainda hoje citam-se causas superficiais e não suficientemente abrangentes para a ocorrência da mesma.

No imaginário coletivo, acredita-se que os transtornos da alimentação se originam porque situações adversas da vida da pessoa afetada desencadeiam o problema. Isto é em parte verdade para os autores que acreditam que as situações adversas são as que produzem o desenvolvimento de um transtorno alimentar. Para outros autores, estes problemas são apenas os desencadeadores – disparadores – que ao “acender a fogueira” revelam o verdadeiro problema que é a existência de um eu débil e imaturo. Para Peggy-Claude Pierre, as vítimas da anorexia desde pequenas já desenvolvem o que se chama de Síndrome de Negatividade Confirmada – SNC, outros autores que concordam com esta hipótese a denominam de outros nomes, mas ainda assim se referem a uma falta de amadurecimento normal do eu (CHADID e HURTADO, 2001).

Nos últimos anos, a magreza provocada pela doença psicológica passou a ser associada ao padrão de beleza que o mercado e a mídia vinham instaurando. As confusões entre as relações mídia e anorexia começam a surgir na medida em que a magreza e os comportamentos de regime foram incentivados pela mídia. Aos olhos de um observador leigo, a anoréxica é apenas uma pessoa que faz uma dieta exagerada porque tem uma percepção anormal da imagem corporal, sendo esta causada, provavelmente, pela influência da mídia. Em certos círculos acredita-se que a doença se instala porque a mídia impõe um padrão de beleza magro e diz o tempo todo que se deve ser magra. Simples assim. Em muitas reportagens sobre o tema e até em trabalhos sobre o corpo que tratam da anorexia de maneira tangencial também encontramos esta associação reducionista e simplista. Mas esta simplificação da doença “tem tanto de fácil como de enganador” (GOUVEIA apud MACHADO, 2001).

Polivy e Herman (2004) alertam para o fato de que, apesar do número ter crescido, nem todas as mulheres que fazem dieta desenvolvem um quadro de anorexia nervosa. Algumas podem passar a vida fazendo dieta e nunca chegar a desenvolvê-lo. Portanto, a patologia não pode ser decorrente apenas dos meios de comunicação. “O foco da patologia torna fácil culpar os meios de comunicação, que sempre parecem estar implicados quando as causas de desordens alimentares são debatidas” (Polivy e Herman, 2004: 1). Se mais atenção fosse dada ao que acontece com a maioria das mulheres e não com a minoria, como tem sido feito, poderíamos perceber que há outros fatores (emocionais) que tornam as anoréxicas tão vulneráveis à mídia. E que as levam a buscar neles seus sonhos e seu sentido. Polivy e Herman (2004), em seu estudo sobre a relação entre as desordens alimentares e a mídia, chegam à conclusão de que o problema provavelmente não começa na mídia, embora a mídia possa exacerbá-lo.

O mais provável é que as anoréxicas utilizem o material da mídia como justificativa para suprir uma necessidade emocional expressa de maneira doentia.

Desta forma elas enganam-se dizendo que não há nada demais em se querer apenas emagrecer em um lugar onde todas as mulheres são impelidas a fazê-lo e aplaudidas por isso. Tal comportamento dificulta-se o processo de cura. Se não encaram a doença como problema a tendência é que esta se mantenha e consuma mais e mais a pessoa acometida.


3. Blogs

O nome blog é apelido de weblogger, cuja tradução literal seria 'diário na rede'. Trata-se de diários virtuais, atualizados cronologicamente pelos próprios sites, onde os autores escrevem sua rotina, seus pensamentos e aspirações. Geralmente contêm fotos, letras de música, poesias; enfim, os autores utilizam-se do espaço como se fosse aquela tradicional agenda de papel que a gente escondia na gaveta. As publicações desse tipo também podem funcionar como um jornal onde o autor expõe notícias sobre temas lhe interessa e publica links de páginas sobre o mesmo. Rucuero (2003) esclarece que existe ainda a possibilidade de uma mistura entre os dois conteúdos, pode ser uma agenda autobiográfica popular permeada por informações da grande mídia. Nessa publicação mista é que se enquadram os blogs estudados no presente trabalho.

Estas publicações virtuais pessoais apareceram em massa depois de 1999. Neste ano foram lançados na Internet programas gratuitos que deram a internautas, sem maiores conhecimentos de HTML, a possibilidade de elaborar sua própria homepage (ECHEVERRIA, 2003). O desconhecimento da linguagem era uma grande barreira e no momento em que foi quebrada permitiu a proliferação desses sites pessoais. Os blogs são tão fáceis de fazer como um e-mail, basta um nome de usuário e uma senha e pronto. Você pode “botar a boca no mundo”. E o mundo pode pôr os ouvidos em você. Através dos blogs os internautas deixam uma parte de si exposta na Internet pra quem quiser ver. [veja exemplo: clique na imagem ao lado]

No que se refere ao perfil dos usuários desse novo tipo de publicação digital, Antunes (2003) coloca que são, em sua maioria, jovens, que gostam de opinar, participar de discussões e que utilizam a Internet com freqüência. Tanto garotos como garotas utilizam o novo meio. As mulheres são mais subjetivas, os homens abordam com mais freqüência assuntos impessoais, como futebol e música. Mas o autor enfatiza que, de uma forma ou de outra, os blogs acabam extrapolando as barreiras da privacidade e colocando em foco temas mais abrangentes. A linguagem utilizada pelos “blogueiros” é, em geral, "descompromissada e espontânea".

Através desse tipo de escritas sobre o eu, o indivíduo manifesta sentimentos íntimos e experiências individuais, capazes de representar uma época ou uma sociedade. A pessoa que se sente mais livre escondida atrás de um computador expressa sentimentos mais íntimos, confessa perturbações e desejos e deixa transparecer, através do discurso, a forma como percebe o mundo em que vive. As conversas, no mundo virtual, refletem valores considerados importantes pelas pessoas. O fator anonimato permite que exerçam com mais totalidade sua liberdade de expressão, já que não sofrem diretamente o julgamento alheio.

Dentro desse aspecto de reflexão do social, Antunes (2003) enfatiza também a invasão de privacidade, tão comum nos dias atuais. Hoje em dia a exposição do cotidiano das pessoas tornou-se objeto de consumo. Consumimos a vida privada alheia. Artistas são o principal alvo da imprensa, mas com a Internet, pessoas comuns podem ser artistas. Podem, como eles, expor sua intimidade e torná-la digna do interesse alheio. Expressando-se, aprende sobre si mesmo, encontra-se com o outro. Se antes se preservava a intimidade e se separava a vida pública da vida privada, atualmente, a vida pública e a privada se confundem. A vida privada é publicizada.

Quando o indivíduo aceita se expor, compensa a invasão de sua intimidade com o reconhecimento e a interatividade, já que, ainda segundo o autor, a curiosidade e a identificação com o outro aproxima os leitores ou espectadores desse tipo de abordagem intensa. A perda de privacidade é consentida e desejada. A recompensa é o contato com o outro, a interação virtual. Para continuarem unidos, os membros desta comunidade alimentam-se uns das histórias dos outros, que no fundo refletem sua própria história. Expressam-se e consomem-se a si mesmos diante da tela enquanto interagem no ciberespaço.

Rucuero (2003) afirma que os webblogers formam comunidades virtuais, principalmente pela existência de um sistema de comentários que permite a interação do internauta visitante com o autor da homepage. O fato dos blogs serem acessíveis muitas vezes faz com que essas páginas acabem se transformando em portais de bate-papo. O visitante pode ir lá, deixar seu comentário e possivelmente terá uma resposta. Esse sistema de comentários facilita a criação de amizades entre pessoas que tenham afinidades. Dessa maneira as pessoas formam comunidades e criam sua própria realidade virtual. Comunidades estas, baseadas em valores do mundo real; identificados na web através das afinidades encontradas pelos membros do grupo.

De acordo com Costa (2003), o surgimento dos webloggers parece ser uma reação a esta afirmação de na Internet só haveriam identidades simuladas, já que esse tipo de manifestação propõe ser uma legítima e autêntica representação de seu autor. Segundo Rucuero (2003), a construção de uma home-page pessoal promove uma resposta sistemática para a questão crítica de identidade 'quem sou eu' e dá suporte à internacionalização da resposta individual. Desta forma, podemos entender que o que está lá, exposto, não é necessariamente uma mentira. É sim uma realidade fabulada, uma reconstrução da realidade com uma hiberbolização do que é valorizado pela comunidade na tentativa de fazer disso um sentido comum.


4. Blogs Pró-anorexia pesquisados

Foi realizada uma pesquisa envolvendo cinco blogs pró-anorexia:
1. www.caminhoanna.blig.ig.com.br (caminhoanna)
2. mysacrificeforana.weblogger.terra.com.br (mysacrificeforana)
3. www.fatnever-anaforever.blogger.com.br (fatnever-anaforever)
4. www.anorexics.blogger.com.br (anorexics)
5. www.semcomida.blogger.com.br (semcomida)

Com relação a esses blogs foi feito um exame detalhado das imagens, discursos, depoimentos, desabafos e conversas, na tentativa de identificar a formação de uma comunidade virtual em torno da imagem magra.


5. Resultados e Discussões

Os blogs pró-anorexia analisados foram desenvolvidos e assinados por jovens meninas, entre 15 e 19 anos de idade. Estas garotas desenvolveram criaram um grupo virtual que gira em torno do culto à magreza. Conversam entre si sobre um interesse em comum: emagrecer a qualquer custo. Ensinam como enganar a fome; formulam estratégias absurdas e perigosas para conseguir ficar sem comer; desenvolvem maneiras de como evitar que seus familiares percebam a obsessão e também trocam experiências sobre o uso de diuréticos, laxantes, hormônios de tireóide e pílulas para emagrecer. Na Internet existem centenas deles.

Estes blogs pró-anorexia foram inspirados nos sites pró anorexia, que surgiram inicialmente nos Estados Unidos. Depois surgiram as versões brasileiras de website. Nestes sites a anorexia, de grave doença mental originada de traumas inconscientes, passa a ser encarada e mostrada como ‘estilo de vida’. As autoras anoréxicas demonstram uma necessidade de ser magra, negando que estejam realmente doentes e legitimando assim a necessidade de controle que caracteriza a doença. A magreza, de conseqüência da doença passa a papel principal. Através dos portais virtuais elas assumem a doença como estilo de vida e encontram outras garotas anoréxicas que acabam se vendo incentivadas a continuar sua busca incansável por um corpo ainda mais magro. Os sites acabam servindo também para outras garotas saudáveis, já influenciadas pelo discurso midiático de magreza, pegarem ‘dicas’ com as anoréxicas.

A legião de garotas que se espelha nas pró-anoréxicas destes sites acabou desenvolvendo sites pessoais acerca do tema: os webloggers pró-anorexia. Dessa maneira surgiu a comunidade virtual formada pelos blogs pró-anorexia, onde a imagem magra é cultuada por intermédio da anorexia e a Anorexia é levada adiante por meio da imagem magra.

A Internet possibilitou a formação de comunidades virtuais onde as pessoas se encontram mentalmente estando isoladas uma das outras. Isto é um prato cheio (!) para uma garota que não come por estar sendo atormentada pela anorexia. Ela continua com seu comportamento obsessivo, isolada e agora pode expressar-se e buscar o amor que tanto necessita. Muitas, inclusive, fazem isso. Há sites de apoio na rede onde anoréxicas podem conversar com outras sobre como sofrem e querem se livrar disso e acabam se ajudando. Mas as garotas dos blogs pró-anorexia estão usando a união virtual exatamente para o oposto. A personalidade doentia parece ter falado mais forte que a parte que deseja curar-se; sucumbiram à doença e formaram esta comunidade pró-anorexia. Lá, ao invés de ajudarem-se a sair da doença, ajudam-se a continuar nela. Estão usando o próprio amor como um inimigo. Falam como que para sua própria mente e escutam a sua própria voz. Sustentam o amor doentio que geraram por si mesmas e deixam escapar a paixão que sentem pela sensação de fome: "Eu quero ficar sem comer, quero só pensar em calorias, quero me trancar no quarto para não comer, quero dormir muito se ficar em casa para não ter que negar comidas e bebidas” (fatnever-anaforever).

Levando-se em conta que na vida real as portadoras do quadro de anorexia são retraídas e anti-sociais, o valor de encontrar esse companheiro virtual para elas é imenso. Além disso, nos blogs elas estão exercendo sua liberdade de expressão, numa realidade em que elas não são retraídas, nem excluídas, nem doentes. Podem tudo, até formar opinião. E a Internet ainda lhes dá a oportunidade de verificar isso instantaneamente.

A falta de tempo é sempre colocada como um dos fatores que fazem com que as pessoas procurem parceiros virtuais. No caso das autoras dos blogs pró-anorexia, além da falta de tempo, fatores como a retração social, dificultam o contato com outras anoréxicas no mundo real. Principalmente dispostas a falar sobre sua intimidade, como fazem no conforto do anonimato. As autoras, ao encontrarem amparo na rede para legitimar a anorexia, ao verem o discurso da magreza reforçado pelos sites e ao verem que elas também podem fazer parte de um grupo onde tem voz, opinião e podem conversar, se sentem reconhecidas dentro da sua classe social.

Os blogs funcionam como um espaço onde elas podem fabular sobre sua doença e atribuir uma importância a ela. Através deles as anoréxicas dão vazão à negação da doença, exercem sua necessidade de controle, venerando a magreza. Além disso, podem encontrar o apoio do reconhecimento sócio-virtual. Percebe-se nos discursos a importância que se dá ao afeto entre os membros do grupo. Os comentários, em especial, são considerados de grande importância, como se pode perceber no seguinte depoimento: “Por favor deixem mensagens de apoio pq é tudo o q eu preciso! Queria agradecer a todo mundo que deixou comentários! Valeu mesmo, Vcs estão me dando uma super força” (mysacrificeforana). Nota-se que elas mesmas reconhecem neste carinho mútuo um grande agente motivacional para que continuem sua busca pela felicidade. Felicidade esta que é constantemente associada à magreza, mas que só pode ser realmente encontrada quando elas se livrarem da obsessão. Uma das autoras dos blogs pesquisados confessou “a minha vida está um pesadelo (ALGUÉM POR FAVOR ME ACORDA!?) a melhor parte é quando eu durmo e sonho que sou magra linda e amada” (caminhoanna). A alegria que porventura encontram ao conseguirem perder algum quilo rapidamente se esvai e vira necessidade de emagrecer mais um pouco para ser totalmente feliz: “Olá pessoal!!! Estou tão feliz! Entrei na minha calça 34, isso é muito bom, dá vontade de emagrecer mais!!!” (semcomida).

Pode-se perceber nos blogs da comunidade pró-anorexia uma enorme quantidade de imagens e fotografias de modelos e atrizes magras, que estão ou estiveram no auge da fama. Estas fotos são bastante elogiadas pela dona do site e recebem comentários garbosos das outras visitantes. As personagens das fotos são tidas como deusas a serem seguidas, e quanto mais magras forem, maior é seu poder. Kate Moss é uma das “queridinhas das meninas”, principalmente porque esta modelo já teve anorexia. Chega a aparecer em quatro dos cinco blogs analisados. Outra modelo que aparece com muita freqüência nos blogs é Gisele Bundchen (foto acima). Ela serve como fonte de inspiração, ou mesmo de thinspiration como colocou a autora do blog Anorexics. Assim como Kate Moss, sua imagem aparece em três, dos cinco blogs analisados. Em algumas fotos das modelos e de outras magras famosas aparece carimbada uma espécie de marca “anorexia”. Além desta marca em cima das imagens publicitárias, as pró-anas (e pró-mias, a favor da bulimia - foto abaixo) desenvolveram também logomarcas exclusivas para a comunidade.

Costa (2003) enfatiza que as imagens expostas em blogs são uma forma de compartilhar coletivamente tanto seu ponto de vista sobre o mundo, como incluir nele sua estética. Publicando estas fotos especiais, elas constroem uma comunidade orientada pelo olhar; uma comunidade que retrata seu imaginário. Rucuero (2003) concorda afirmando que este tipo de divulgação, o website pessoal, passa pela percepção de si mesmo, desde as cores, elementos e imagens escolhidas. Nos blogs pró-ana percebe-se uma forma de representar-se a si mesma e aos outros membros da comunidade e do mundo onde estão inseridas, utilizando imagens da mídia a seu favor.

De acordo com Polivy e Herman (2004), muitas adolescentes buscam identificar-se com as modelos que aparecem na mídia. Projetam-se nessas imagens. Criam uma fantasia de magreza em seu imaginário, sonhando que podem ser como elas e que quando isto acontecer, tudo será perfeito. Elas buscam o que é mostrado por acreditar que conseguirão extrair algo de bom desse corpo magro (ou com este corpo magro). Com as anoréxicas esta busca pela magreza é intensificada pelo próprio caráter da doença. A anoréxica, uma pessoa debilitada, carente, torturada por uma necessidade de controle que não sabe de onde vem, encontra alguém (a mídia) lhe dizendo exatamente o que quer ouvir. Oferecem-lhe de maneira amigável uma justificativa para sua doença e a anoréxica se agarra a ela reforçando assim o discurso da magreza. De repente todo o tormento, todo o sofrimento provocado pela fome, por exercícios extremos, pelo gosto de vômito na boca, pela mente cheia de tabelas de calorias, tem razão de ser. O sofrimento já não é mais sofrimento, é sucesso, motivo de mérito, tem uma finalidade.

O prestígio sócio-virtual reforça tal fim, causando assim um círculo vicioso entre meios de comunicação de massa e indivíduos influenciáveis. Considere a seguinte mensagem colhida no blog Anorexics, onde a autora responde ao comentário da amiga Talita (coincidentemente, do blog mysacrificeforana):

Talita: Nooossa você emagreceu bastante, que bom neh, nada melhor do que se livrar de kilos indesejados! Continue assim, tá de parabens, é um orgulhhhho pra comunidade pro anna ter pessoas como você, sua visita é super bem vinda. Beijinhos. (anorexics)

As imagens, as dicas, a força de vontade e o sucesso das anoréxicas tentam persuadir as visitantes. As imagens veiculadas nos blogs, que estabelecem uma relação entre beleza e magreza, dissimulam o intuito controlador da doença. Mas este, apesar disso, não passa desapercebido. Exibe-se nos discurso, explodindo entre as palavras. Por trás das explicações fechadas que relacionam a magreza à beleza surge o ritual doentio perante o alimento e a necessidade de controlar-se diante da sedução do mesmo, como mostra o trecho a seguir: “Ser magra é ser bela, por tanto eu devo ser magra e permanecer magra se eu desejo ser amada. Comida é a minha pior inimiga. Eu posso cheirá-la, posso olhar, mas eu não posso toca-la” (anorexics).

É interessante notar que as verdadeiras “pró-anas”, ou seja, as que realmente têm anorexia, não gostam da invasão das não anoréxicas. Consideram essas outras garotas intrusas e procuram livrar-se delas. Querem preservar sua comunidade e estão procurando fechar-se para as falsas “anas” que não sabem nada sobre a Filosofia da Anoréxica e que desejam apenas emagrecer. Dessa forma deixam perceber que o interesse da comunidade pró-ana não se resume ao emagrecimento, há algo mais que faz com que permaneçam unidas e lutem pela delimitação de seu território:

Nossa cara eu fiquei ....... da vida! A Ana agora tá virando brincadeira, moda! Eu participo do grupo Pró-Ana e Mia e temos um forum onde as participantes mandam mensagens! Tem cada mensagem que dá pra ver na cara que é só mais uma garota desesperada! Eu queria tanto que as pessoas entendessem que Ana não é isso! É um estilo de vida, uma coisa que vc segue, uma filosofia! Claro que tem meninas ali que realmente sã são pró-anas, que merecem todo o meu respeito... Mas tem umas, que dá vontade de mandar pra aquele lugar! Eu acho que eu vou criar um grupo no MSN e dar de presente pra essa meninas idiotas! O Nome do grupo vai ser: "Obesas Desesperadas por Dietas que Funcionem o Mais Rápido Possivel e Por Remédio que Me Façam Parar de Comer"!! Ninguém Merece! Eu Amo tanto a Ana! Doi, Doi mesmo ver ela virar uma coisa banal, um dietinha pra essas obesas! Se vc não é pró-ana por favor sai daqui agora! É pro seu próprio bem. (mysacrificeforana)

Nota-se na mensagem o enfurecimento da autora ao perceber que o grupo está se dissipando porque o território está sendo invadido. Pessoas que não entendem a Filosofia Ana não têm em si a essência necessária para participar do grupo. Através desta atitude deixa explicíto que o desejo das pró-ana não se limita ao emagrecimento. As anoréxicas possuem um diferencial que deve ser preservado. A abertura a pessoas que não se adequam pode provocar o fim da comunidade e a banalização do que elas tanto preservam. Quando, ao invés de fãs encontram alguém que as alerta sobre os perigos da doença, fazem ouvidos de mercador e atribuem a si mesmas o poder de estabelecer os próprios limites: “valeska: É sempre bom alertar sobre as consequencias da Anorexia, mas nos pró annas estabelecemos limites, obrigada por toda a preocupação com toda a nossa comunidade, suas visitas são muito especias” (anorexics).

Percebe-se que poder e reconhecimento são palavras chave na anorexia. Nos blogs as anoréxicas só escutam o poder da doença e o de pessoas que também estão escravizadas por este poder, que mostram ter perdido completamente sua liberdade. Elas vangloriam-se de serem as escolhidas da anorexia, portam-se como se tivessem exercido uma livre escolha.

Como a mídia vangloria a magreza as autoras dos blogs tomam emprestado o mesmo argumento. É através dele que legitimam seu culto à anorexia. As fotos de artistas espalhadas por quase todos os blogs não deixam dúvidas. Mascaradas com imagens midiáticas elas dão vazão a seu discurso obsessivo e chocante aos olhos de um espectador. A mídia acaba contribuindo para a proliferação desse tipo de sites e para a continuação do comportamento doentio.

Nos blogs, observa-se ainda que ao mesmo tempo em que veneram a magreza, exibem características de fraqueza orgânica, devido à falta do alimento e psíquica, pois quando comem culpam-se, punem-se e odeiam-se. Dessa forma, pode-se notar que a própria dinamicidade converge para exaltação dessa necessidade doentia de ser magra. Embora digam que desmaiaram ou tiveram de tomar glicose no hospital não desistem do seu sonho suicida.


6. Conclusão

A sociedade atual compõe um ambiente favorável ao surgimento de transtornos psicológicos aumentando a infelicidade do ser humano consigo mesmo. Isso faz com que procurem meios de aplacarem a angústia, os meios que aparecem mais freqüentemente na mídia são: a busca por objetos de consumo que prometem felicidade, a fuga para uma realidade virtual onde podem ser o que desejam, o desejo expresso de ser o que a sociedade de consumo coloca como melhor. A mídia está permeada de símbolos que seduzem e trazem promessas de felicidade se obedecidos e seguidos. A imagem magra é mostrada como símbolo para o alcance do poder e reconhecimento social.

Nos blogs, intitulados pelas próprias autoras como blogs pró-anorexia, através da comunicação, elas dão vazão á anorexia justificam-na dando sentido-lhe com elementos midiáticos altamente valorizados socialmente. Essas internautas expõem para o mundo o seu circuito imaginativo. O imaginário circulante. A originalidade de uma idéia doentia converge para a neurose midiática padrão: a magreza. Mas de uma forma doentia e fanática que reflete seus conflitos emocionais mal resolvidos.

Percebe-se na comunidade virtual estudada que cada membro dos grupos estudados defende seu ponto de vista sozinho e que este é, até certo ponto, pincelado por chavões midiáticos. Quando há a possibilidade de intercomunicação, busca-se a semelhança dos elementos comuns, as pinceladas midiáticas utilizadas por eles pintam um só quadro usufruído por todos. Um quadro onde a parte revela o todo. Um quadro-código conhecido por todos, onde o eu dissolve-se em nós e o código parece defender-se a se próprio. As particularidades de cada um, nos blogs, acabam sendo suprimidas em nome do grupo. Sendo apenas mensagens, sem a presença de um corpo físico que exiba características físicas ou ao menos traços faciais que as diferenciem, são, literalmente, uma só voz. Cada qual vê na mensagem da outra um espelho que as acompanha. O diálogo é quase um monólogo.

Se o espelho material da anoréxica lhe distorce a imagem, motivando-a a seguir o seu jejum suicida, seu espelho virtual mostra-lhe uma realidade (esta sim distorcida) que ela percebe como absolutamente igual. Lá ela é em grande parte o que a doença faz com que ela seja; este espelho virtual mostra-lhe esta verdade. Os blogs são uma forma de investimento intelectual, afetivo e imaginário. A cultura da comunidade pró-ana, formada em muito de matéria prima midiática, repete a seus membros o que eles desejam ouvir. Neste caso seria a cibercultura a emergência de uma nova cultura? Nesse microcosmo o feitiço volta-se contra o feiticeiro; a obra que gera o autor doma-o. Há criação com propostas inovadoras, ver a doença como estilo de vida é isso. Não é comum. É original. No entanto, é inegável a reprodução dos ideais da sociedade de consumo. Identifica-se isso principalmente pela constante presença de imagens midiáticas magras e pela exaltação do corpo esbelto em seus discursos. O corpo magro sempre é coberto de ótimos valores ensinados pela mídia.

O que a anoréxica deseja é ser magra, não necessariamente para ser bela, e sim para demonstrar outro tipo de poder: o de controle sobre si mesma. Percebe-se no discurso dos blogs que as anoréxicas se acham superiores aos outros. Dão à anorexia um sentido que lhes confere poder. Estando inseridas em uma sociedade que exalta a magreza, é esta que servira como justificativa e base para que ela continue a desenvolver a doença. Ser magra para demonstrar controle sobre si confunde-se com ser magra para ser bela. O apoio encontrado no mundo virtual ajuda a propagar as idéias doentias e os valores midiáticos. Evidente que não podemos em consideração que os sujeitos da pesquisa têm uma patologia psíquica. No entanto, não se deve descartar a influência da mídia na geração e manutenção do quadro anoréxico.


7. Referências Bibliográficas

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Gina Emanuela Carvalho é graduada em Comunicação Social pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR, desde 2004. Durante a graduação participou de pesquisa e monitoria voluntária. Já apresentou os trabalhos A Magreza Feminina Nas Capas da Revista Veja e Análise dos Blogs Pró-Anorexia na IX Semana Universitária da UECE, em outubro de 2004. Trabalhos de graduação orientados pela Profa. Dra. Regina Heloísa Maciel (UNIFOR). Atualmente cursa especialização em Teoria da Comunicação e da Imagem pela Universidade Federal do Ceará - UFC. E-mail: ginaemanuela(arrobas)hotmail.com


Artigo inédito, publicado no Blog Intermídias no dia 31 de março de 2007. Todos os direitos reservados. {Referência para citação deste texto: Carvalho, Gina Emanuela. "Blogs Pró-anorexia". In: Blog Intermídias, 31/03/2007, [http://intermidias.blogspot.com/2007/03/blogs-pr-anorexia.html] data de acesso: }.

30 de março de 2007

Quais foram os melhores filmes de 2006?


Enfim as premiações acabaram (Oscars, Globos de Ouro, Césars, etc) e é hora de rever aqueles que foram os melhores momentos do escurinho do cinema no ano que passou. A produção foi boa e a escolha não foi tão difícil. Entre os preferidos do público e da crítica, o Cinesesc São Paulo fará uma restrospectiva dos filmes mais votados, à partir desta terça-feira dia 3 de abril.


Os detaques são Caché (foto) de Michael Haneke, O ano em que meus pais saíram de férias (foto) de Cao Hamburger, O Céu de Suely de Karim Aïnouz, Volver de Pedro Almodovar, O labirinto do fauno de Guillermo del Toro, O Segredo de Brokeback Mountain de Ang Lee, A Máquina de João Falcão, Estrela Solitária de Wim Wenders e O Crocodilo de Nanni Moretti. Veja a programação e reviva esses momentos. Confira aqui a programação completa e as sinopses de todos os filmes selecionados.

26 de março de 2007

Retrospectiva Krzysztof Kieslowski

A retrospectiva internacional do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários deste ano é a obra não-ficcional do cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996). Kieslowski tornou-se um dos mais cultuados diretores do quarto final do século 20 com títulos como a telessérie “Decálogo” (1989), a Trilogia das Cores (1993/94) e, entre eles, “A Dupla Vida de Véronique” (1991). Mais de uma década após sua morte precoce, o primeiro Kieslowski, o de sua fase inicial como documentarista, permanece um continente fundamental ainda desconhecido.

No documentário, Kieslowski foi tão inovador e cirúrgico na estruturação de suas narrativas quanto na ficção. Variou dispositivos e estratégias, experimentou com fronteiras, firmou-se como um criador por inteiro. Independentemente do gênero, seu foco sempre se fechou sobre a particularidade de cada existência humana e sobre o poder do acaso. Seus primeiros filmes tratam essencialmente da vida cotidiana na Polônia então socialista. Retratos de homens e mulheres comuns, de trabalhadores simples, de burocratas cinzentos. “Apoderar-se de gestos e de instantes – é o interesse do documentário e também sua armadilha”, disse Kieslowski. “Quanto mais eu me aproximava do centro, da intimidade dos personagens, mais tinha medo”. Não surpreende, assim, que Kieslowski tenha atribuído a questões éticas sua transição definitiva do documentário à ficção “Tenho medo de lágrimas reais. Na verdade, não sei se eu tenho o direito de filmá-las”. O jogo era outro no teatro da ficção. Mentiras sinceras o interessavam.

Das 21 obras não-ficcionais curtas e médias por ele rodadas entre meados dos anos 60 e começo dos 80, o É Tudo Verdade, em parceria com o Consulado Geral da Polônia em São Paulo e a Film Polski, apresenta 17 títulos, acompanhados por três documentários recentes sobre o cineasta. Eis, pois, o mistério da vida segundo KK.

Amir Labaki



DRAMATURGIA DA REALIDADE (fragmento de monografia)
KRZYSZTOF KIESLOWSKI



Uma realidade rica, magnífica, incomensurável, ou nada se repete, ou não se pode refazer as tomadas. Nós não temos de nos preocupar com seu desenvolvimento, ela continuará a nos abastecer diariamente com novas tomadas extraordinárias. É justamente a realidade – e isto não é um paradoxo – que é o ponto de partida para um documentário. Basta somente acreditar nela desde o começo, em sua dramaturgia, nesta realidade.


André Bazin escreveu que às vezes o cinema não encontra estímulo algum nas inovações tecnológicas – quando não se trata do tamanho da tela ou das cores da imagem, que são decisivas quanto ao desenvolvimento de seus meios de expressão, e quando o mero fato de que movimento ou som pararam de fascinar – o cinema passa a remeter à literatura. Ele não se referia a um tema ou personagens do filme – ele queria dizer a linguagem, assim como os padrões estruturais e dramatúrgicos.


O documentário, já esgotado e destruído por sua linguagem, deve chegar ao real, e encontrar nele dramaturgia, ação e estilo. Deve criar uma nova linguagem resultante de um registro da realidade mais preciso do que o existente até agora. A questão aqui é dar um passo, o que será uma conseqüência de todos os manifestos escritos por documentaristas, uma conseqüência da afirmação de Flaherty de que a câmera é uma ferramenta de criação.


Um elemento de ação, surpresa, clímax – tão importantes na dramaturgia clássica; um elemento de suspense e não-deslindamento de fios desordenados – tão significativos na dramaturgia contemporânea – todos esses elementos não foram inventados, mas constituem uma tentativa de imitar (sob vários pontos de vista) a realidade. A questão é parar de imitá-la e fingir, e assumi-la como ela é. Só com sua falta de pontos culminantes, sua ordem e confusão simultâneas – já temos a mais moderna e confiável estrutura. Além do documentário, não há outro método que permita registrar essa realidade. O documentário deve explorar a fundo essa possibilidade, e tirar partido de sua exclusividade. Esta é sua chance. Com base na dramaturgia do real pedi a algumas pessoas – um estudante do último ano de história, um soldador e um balconista – para escrever exatamente todas as ações desempenhadas durante um dia. Nenhum diálogo, pensamento, estado de espírito, recordação ou sonho foram lembrados.


Apenas eventos que pudessem ser vistos ou ouvidos. Todos os textos eram roteiros fascinantes. Estamos acostumados a dizer que a vida é um roteiro pronto, mas apenas folhas de papel escritas comprovam isso claramente. Eu não quero dizer que esses roteiros serão realizados (de qualquer forma, isso não seria possível, por razões técnicas). Por isso é que esse postulado se aproxima da tendência comum ao segundo ano da escola de cinema de colocar uma câmera na esquina de uma rua e filmar o trânsito, por exemplo por uma hora, quando o autor no ideal de seu conceito deveria ir beber uma cerveja.


Alguns cineastas rebeldes chegaram perto de aplicar esse método, apresentando filmes de 8 horas sobre um homem dormindo, ou filmes de 10 horas sobre uma criança dormindo (já que as crianças devem dormir mais) em festivais. Apesar do absurdo artístico dessas tentativas (que até poderiam ser úteis para a medicina), em nada relativas ao real, esses filmes são de certa forma educativos. No final, as pessoas que conseguiram assisti-los por algum tempo se entusiasmaram quando o ho mem resmungou, e a tensão atingiu seu ápice quando ele meneou a cabeça. Esta longa digressão é só para lembrar o fato de que a importância dramática e dramatúrgica de qualquer evento deve ser avaliada apenas em seu próprio contexto.


Deve-se ficar bastante atento a esse fato, quando se pensa em filmar uma realidade sobre a qual não seremos capazes de inventar nem um evento grande nem um pequeno, e quando a concordância, cronologia e relações entre eventos serão reais e impossíveis de se mudar livremente.


Os exemplos apresentados anteriormente são absurdos, é claro, já que nos filmes em questão a autoria está limitada à câmera. O filme é feito pela câmera, e então por uma máquina de revelação, uma copiadora etc. Uma máquina é o autor. É possível que essa seja a conclusão final derivada da teoria da dramaturgia do real, mas não é o caso de estabelecer conclusões definitivas, mas razoáveis.


A lenta invasão dos meios de comunicação de massa transforma inevitavelmente a atenção do espectador. A natureza da percepção muda. O criador da cultura na próxima era, a cultura pósalfabética, Marshall McLuhan, assinala que o desenvolvimento da mídia de massa vai levar ao declínio total da comunicação impressa. A visão de McLuhan – que é mais um técnico do que um humanista – de videotecas e aparelhos periféricos de TV – é na verdade uma visão do mundo, onde a palavra impressa simplesmente não será necessária.


Provavelmente McLuhan exagera – ele não leva em conta a integração da cultura humana e sua continuidade – a invenção da TV, da mesma forma que a da imprensa no passado – vai revolucionar a percepção, mas não mudará a continuidade da cultura e sua natureza.


A arte contemporânea mais e mais freqüentemente usa meios audiovisuais – que iniciam a mudança na maneira de pensar. Começamos a pensar em termos de foto, som e edição. As inclinações profissionais dos diretores de hoje se tornarão as inclinações da humanidade. Então essas inclinações se tornarão regra.


Apesar disso, não acredito que as histórias em quadrinhos substituirão os livros. Afinal, a impressão, que com sua invenção determinou o início da literatura, não substituiu os elementos existentes na cultura hoje conhecida como audiovisual, como o balé, o teatro, a música e a dança. Apenas sua hierarquia de importância mudará. Mas mesmo esta tese claramente óbvia exige que tomemos decisões específicas.
A época em questão é um momento oportuno para o documentário, que conduz a conclusões tiradas dos elementos dramatúrgicos contidos na realidade. E até mesmo os profissionais terão o mesmo equipamento de um amador – como hoje todo mundo pode comprar uma caneta dos restos usados por Huxley – mas o filme continuará a ser feito por artistas.


No filme postulado, o autor continuará a ser o mais importante. Ele descobre o mundo para nós e para si mesmo. “Assim que começa o filme, não se sabe qual é a essência de seu assunto. É o filme, ele próprio, que nos ajuda a penetrar no tema, a compreender seu sentido, a ver os fios que o ligam”. (Richard Leacock). “Estar no lugar certo na hora certa, compreender o que deveria acontecer, o que é preciso fotografar no instante ou como isso acontece, ser flexível e receptivo, para fotografar o indispensável... A individualidade do realizador aparece de maneira bem mais forte na escolha do acontecimento e no seu método de expressão que na sua influência sobre os acontecimentos. A subjetividade não está na encenação mas na reprodução.” (Robert Drew) “O mais importante é transmitir o sentimento de participação no acontecimento.” (Richard Leacock). Se cito Leacock e Drew, é porque suas idéias correspondem exatamente àquelas que vou exprimir. Essas idéias nasceram da prática, e as reflexões – diversas e numerosas – sobre seus filmes me confortam quanto a essa convicção. Devemos pular o estágio de procurar pretextos, o que sempre foi útil na produção de filme. Devemos chegar ao que tem sido o conteúdo da arte desde o começo do mundo – a vida humana. A vida em si deve se tornar um pretexto e o conteúdo do filme ao mesmo tempo. A forma que assume, sua duração e a maneira que se desenvolve.


Estou me referindo aqui ao filme sem qualquer convenção artística. Em vez de falar sobre a realidade – ele deve falar de meios dela. Em vez de comentários do autor – deve ser uma relação de parceria entre o espectador e o produtor. […]


A teoria da dramaturgia do real leva a conclusões óbvias – o filme feito por meio de implementação conseqüente dessa teoria pode ser imaginado perfeitamente. Será um filme psicológico sobre um homem, um filme com ação estritamente ficcional, realizado pelos meios do método estritamente documental. Esse filme vai concorrer com os filmes de westerns, melodramas, policiais, psicológicos e dramas. Não vai substituir Welles ou Fellini na arte do cinema, mas vai substituir muitos realistas. Uma vez que a realidade, que freqüentemente nos pegamos descobrindo, é mais melodramática e dramática, trágica e cômica. É cheia de surpresas e regularidades, conflitos psicológicos e o curso, de onde pensamentos e reflexões resultam, indo muito além da imagem fotografada ou do som gravado.


“Na busca incessante pelo sentido das coisas, sua essência e a verdade, encontramos numerosas decepções, mas devemos sempre começar a fazer de forma nova, não apenas para os propósitos em si mas pelo simples modo de conquistá-los (Evald Schorm)...” (1968).


















Excerto da monografia de fim de curso, sob a orientação do professor Jerzy Bossak, do departamento de cenografia da escola de cinema de Lódz, 1968. Publicado em Film na swie no 3-4 pp. 388-389], 1992.

25 de março de 2007

Pausa para Adélia Prado


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