5 de maio de 2012

Contradições e Conflitos do Hotdocs 2012


Jackie Siegel (segurando um dos seus oito filhos)


A Rainha de Versailles (Queen of Versailles, USA, 2012), documentário dirigido por Lauren Greenfield, bateu o recorde de bilheteria no tradicional cinema Bloor, um dos maiores e antigos cinemas de Toronto e recentemente reformado pelo Hotdocs. O filme é uma dessas preciosidades escondidas atrás de um título pomposo e à primeira vista superficial. O trabalho da documentarista Greenfield se revela muito mais atento e minucioso e nos revela uma personagem rica de contradições, manieirismos e sutilezas. Nunca sabemos até onde a socialite Jackie Siegel é completamente verdadeira diante da câmera ou o quanto ela constrói uma "persona" que não tem nada de superficial e faz frente aos grandes personagens que o cinema de Hollywood é capaz de produzir.

Podemos falar também neste documentário do fator sorte, a intenção inicial da diretora Greenfield, antiga fotógrafa da revista Elle, era fazer um filme sobre a construção na Flórida da maior residência dos Estados Unidos, inspirada no palácio de Versailles e com vista para a Disneylândia, no valor de mais de 100 milhões de dólares. No entanto, com a confiança que adquiriu com os entrevistados, Jackie e seu marido David Siegel, ela pôde testemunhar um dos momentos mais dramáticos da história dos Estados Unidos: a queda da economia americana de 2008. As consequências para essa família – considerada como uma das mais poderosas e que foi capaz de decidir as eleições presidenciais a favor de George W. Bush – foram catastróficas. Nesta recessão e adaptação aos altos e baixos, as contradições humanas ganham volume e se ajustam às contradições e conflitos financeiros que se seguem. Tanto o maior hotel-resort de Las Vegas vem abaixo quanto o palacete semi-construído da Flórida se revela como um dos maiores elefantes brancos e (sem-querer) símbolo desta derrocada econômica. A compreensão da mentalidade do povo americano, entre o começo humilde à acensão à riqueza "absurda", tanto quanto os valores "humanos" que o dinheiro pode comprar se mostram à nu neste filme imperdível.

"Ela compra compulsivamente e coleciona tudo... até filhos," diz o marido. "Se eu não tivesse babá eu teria um ou no máximo dois filhos, mas com babá tudo fica fácil," contrapõe Jackie, na época que havia à sua disposição uma babá para cada filho.




E-Phil (manifestante) e Emad Burnat

(documentarista à direita com a camera com a bandeira do Brasil)
Do outro lado do mundo, segue uma guerra com proporções absolutamente incompreensíveis. O conflito na Faixa de Gaza entre Israel e Palestina dura muito tempo diante de uma sociedade mundial estarrecida e impotente. Sem saber como definir quem é o herói e quem é o vilão, os dois lados desta guerra acabam se encontrando no filme 5 Câmeras Quebradas (5 Broken Cameras / Hams Cameraten Maksura / Hamesh Matzlemot Shvurot, Israel/Palestina, 2012) dos documentaristas israelense Guy Davidi e palestino Emad Burnat. Emad é um jornalista testemunha de seu tempo e de sua própria miséria. Ele encontrou sua força de resistência e de luta através do registro videográfico das demonstrações palestinas contra a invasão israelense na cidade de Bil'al.

As câmeras são vítimas deste testemunho e vão se quebrando e sendo substituídas ao longo de cinco anos. Em muitos casos elas receberam um tiro certeiro no meio do "olho" de suas lentes, e uma com a bandeira brasileira colada no seu "corpo" ainda guarda a bala no seu interior como testemunha da violênciae da milícia israelense.

Israel decretou que a cidade de Bil'al é uma zona militar e todos palestinos que insistirem a continuar em suas casas seão considerados infratores e invasores. Para aumentar o caos e fazer valer a lei os militares invadem casas durante à noite, criando terror na população e constrõem muros que impedem a livre circulação dos habitantes. Do outro lado do muro, as oliveiras são queimadas e arrancadas para dar lugar à conjuntos habitacionais. Emad é casado com uma brasileira, e assim vemos o nome e os símbolos nacionais do Brasil por todos os lados da casa e roupas dos familiares, e ouvimos vez por outra umas palavras em português como: Minha Vida. Emad filma o tempo todo mas com um status ambíguo entre jornalista e manifestante, a milícia sempre acaba por prendê-lo, já que ele consegue filmar e testemunhar fatos e atrocidades que nenhuma outra câmera jamais pôde registrar e que infelizmente nenhuma outra mídia quiz mostrar. Aqui é o próprio documentário como instrumento de resistência e mídia alternativa.

Entre a indignação e o espanto, Emad se coloca sempre em perigo nos momentos de conflito e ensina ao filho de cinco anos a ter a pele dura e o corpo forte para resistir aos gazes lacrimogênicos lançados a todo instante na população desarmada. "Porque não o matamos com faca, papai?," pergunta o filho.

O testemunho de sua câmera imparcial e sem emotividade é um dos lados mais surpreendentes dessas imagens... a violência crua, nua e brutal. Não há concessões nem para um lado ou para outro, apenas a resistência e o testemunho "ocular" da história aontecendo no seu próprio quintal. Como não pensar nessa era digital, quando milhões de mini-câmeras de celulares ao redor do mundo captam à todo momento testemunhos ímpares de nossa história contemporânea... o desafio é saber juntar estas imagens e criar narrativas condizentes como fez este filme... imperdível.

Visite o site da Revista Intermídias