12 de dezembro de 2010

Napoleão Bonaparte vira Coronel Viravante aos olhos de Glauber Rocha

O acervo pessoal do cineasta baiano Glauber Rocha, atualmente arquivado no Tempo Glauber, fundação criada pela sua família, no Rio de Janeiro, está prestes a ser adquirido pelo Ministério da Cultura e será transportado para a Cinemateca Brasileira, em São Paulo.
No conjunto estão os 22 filmes feitos por Glauber, além de 80 mil documentos, que incluem sua correspondência pessoal, roteiros de filmes, peças de teatro, poemas e romances.

Deste total, 223 roteiros e projetos de livro permanecem inéditos.

Segundo o ministro da Cultura, Juca Ferreira, a compra está praticamente fechada e deve ser anunciada até o final do mês. “A família tem plena noção da importância de Glauber para a cultura brasileira, e nós temos condições melhores para preservar este material’’, diz.

De acordo com Ferreira, a negociação faz parte de uma política maior de aquisição de acervos do cinema brasileiro por parte do ministério, que vai disponibilizá-los ao público na Cinemateca.

“Boa parte da memória do cinema nacional se perdeu, porque a preservação sempre foi precária. E, hoje, na Cinemateca, temos os melhores equipamentos do mundo para isto’’, diz.

A Cinemateca está restaurando o filme “O Leão de Sete Cabeças’’, feito por Glauber em 1970. Será relançado em cópias de 35 milímetros. Em julho deste ano, o ministério adquiriu o acervo da Companhia Atlântida Cinematográfica, com mais de 60 longas-metragens produzidos entre 1942
e 1974.

Papéis revelam roteiro inédito sobre Napoleão Bonaparte

O último projeto do cineasta Glauber Rocha (1939-1981) era fazer um filme inspirado na vida de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Um mês antes de morrer, ele escreveu um roteiro em francês, até hoje inédito, com as principais ideias do longa. Também mencionou o tema em cartas a
amigos.

Há algumas semanas, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, encontrou em sua biblioteca mais uma peça que ajuda a remontar esse projeto: a versão italiana do livro “O Império de Napoleão’’, de Stendhal (1783-1842), com anotações e rasuras feitas pelo cineasta.

A obra chegou às suas mãos em 1981, quando ele era presidente da Embrafilme. Glauber, que estava morando em Portugal, queria sensibilizá-lo a apoiar a produção. A estatal já havia patrocinado seu último filme, “Idade da Terra’’-cuja recepção pela crítica nacional e internacional foi terrível.

“Ele estava bastante deprimido por causa disto, mas falava de muitos planos’’, diz Amorim, que doou o livro à família de Glauber.

Os documentos não trazem uma ideia acabada e são, por vezes, contraditórios. Mas deixam claro que o longa teria muito pouco da biografia de Bonaparte e se prestaria a discutir temas comuns na obra
do cineasta, como liderança messiânica e revolução.

Nas margens do livro, ele anotou ideias gerais: “Os impérios materializam o inconsciente coletivo do povo através de seus patriarcas, que realizam as guerras purificadoras e fortificantes’’.

Também guardou, entre as páginas, um recorte de jornal falando de um leilão da Sotheby’s com armas do período napoleônico.

Já no roteiro, a história se passa nos anos 1980, num território “real e imaginário’’ chamado Trafalgar, na divisa entre Portugal e Espanha.




Reencarnação

O personagem central é Napoleão Viravante, proprietário de terras que se achava a reencarnação do general francês. Cercado por um exército de mercenários, ele pretendia conquistar a independência de seu país e dominar o mundo.

O texto é uma amostra típica do cinema conceitual de Glauber Rocha: “Na Caverna da Morte, protegidos por uma aranha gigante, estão guardados os títulos de propriedade de terra de Trafalgar’’. Irmã Vitória dos Ressuscitados, camponesa que fundou uma ordem religiosa, tem a missão de resgatá-los.

Em meio a intrigas políticas, Napoleão abandona sua mulher espanhola e decide se casar com uma amante africana. Napoleão é morto pela amante. O filme termina com um dançarino do balé Bolshoi assumindo o poder.

O roteiro, aparentemente nonsense, e com o qual o cineasta tentava levantar patrocínio na Europa, era apenas uma de suas ideias para este filme.

Antes de escrevê-lo, em carta a Celso Amorim, Glauber diz que já havia feito uma versão no Brasil, e pretendia fazer uma segunda.

“Este é o filme que vou fazer este ano, embora não saiba como [...] Se eu voltasse ao Brasyl, filmaria também “O Império de Napoleão’ com o título de “O Império de D. Pedro II’’’, escreveu. (Folhapress)

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