19 de maio de 2011

Puisque nous sommes nés: Filosofia de beira de estrada em primeiro plano

Puisque nous sommes nés de Jean-Pierre Duret e Andrea Santana (França, 2008) apresentado no HotDocs de Toronto como “Because we were born” e espantosamente intitulado no Brasil de “No meio do mundo”, poderia ser considerado do documentário Direto senão fosse os temas das conversas que os “personagens” mantêm entre eles. Nego tem 9 irmãos e todos vivem com a mãe e um padrasto, já que os irmãos têm pais diferentes, e ele já teve vários padrastos. Todos moram numa pequenina casa próxima à uma rodovia. O pequeno vilarejo não tem água encanada, todos dependem do caminhão pipa, que quando vem não dá conta de servir à todos. Nego não quer ir à escola prefere perambular por aqui e ali, especialmente nos arredores do posto de gasolina, onde sempre encontra com seu amigo Cocada. Este aparenta um pouco mais velho e tem uma boa relação com os caminhoneiros que param no posto. Mas esses meninos têm fome, e a pouca grana que conseguem arrecadar num dia mal paga a comida, assim eles pegam restos nas mesas do restaurante. Enquanto isto, em uma outra parte do vilarejo, um sertanejo vê sua vaca de leite morrer de fome, calor e sede. Em troca de seis mil tijolos ele decide então comprar uma outra vaca, e assim a vida segue no seu ritmo lento e constante. No entanto, é uma vida construída a partir dos detalhes (uma mosca, um pé rachado, um prato de comida, um machucado no braço) que nos impede muitas vezes de apreciar o todo, e é justamente uma visão desse todo que falta “No meio do mundo”.
 

Em planos bem fechados a câmera explora os detalhes da miséria e os rostos marcados dos entrevistados enquanto eles elucubram sobre a vida, a morte e a violência. Estas poderiam ser conversas quotidianas que garotos adolescentes e desprivilegiados de todo o Brasil discutiriam sem cesse durante todas as suas vidas... será? Algo soa estranho, uma palavra colocada na boca dos meninos, um movimento brusco do oleiro, um gesto exaltado da mãe, e o filme vai perdendo “veracidade”, não a verdade dos fatos, mas o charme que a “realidade” incorpora e enriquece todo documentário.
Hudson Moura
(especial Hotdocs - festival internacional do documentário de Toronto, considerado o maior festival de documentários da América do Norte)

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